domingo, 13 de fevereiro de 2011

Viagem ao maravilhoso Turkana (Parte 1)

 
Durante a minha estadia forçada em Nairóbi, enquanto o quadro da Miss Africa era reparado, falei com algumas pessoas sobre o Norte do Quénia, o fabuloso lago Turkana e as estradas diabólicas para ali chegar.

A opinião geral dos que por lá passaram não era animadora: uns diziam que o desgaste que a estrada provocava e o cansaço da condução até ao lago não compensa a sua beleza nem a das suas tribos; outros diziam que a mota é demasiado pesada e carregada seria muito difícil enfrentar tal viagem, podendo rapidamente terminar depois de uma queda mais forte ou de um amortecedor partido; até o casal da Estónia que conheci em Nairóbi e que viaja há dois anos pelo mundo, está há mais de um mês parado depois de o quadro da mota se ter despedaçado naquela estrada.
Todas estas opiniões não transmitiam grande confiança e fortes razões para ir. 
Por outro lado sabia que o Noroeste do Quénia é um lugar com um ambiente especial, paisagens desérticas, aldeias isoladas, tribos coloridas, fascinantes e únicas no mundo e confesso que o desafio de ali chegar foi, por si só, suficiente para querer ir.
Esta decisão, sabendo que estava sozinho, sem o apoio de qualquer outra viatura e numa posição bastante vulnerável se algo me acontecesse, foi tomada "de coração" e era algo difícil para mim de deixar passar ao lado.
O texto que o guia Lonely Planet dedica ao Norte do Quénia não ajudou a que tomasse outra decisão que não a de ir.
 
Diz o seguinte (que me desculpem os que não entendem inglês):

"Situation Vacant: Adventurers required to boldly go where few have gone before.
We are searching for daring explorers to challenge themselves against one of the most exciting wildernesses in Africa. This role will most suit somebody able to withstand appalling roads that would shake a lesser mortar into submission, searing heat, clouds of dust and sand torn up by relentless winds, primitive food and accommodation, vast distances and more than a hite of danger.
The generous compensation package we´re offering the successful applicant will include memories of vast shattered lava deserts, camel herders walking their animals to lost oases, fog-shrouded mountains full of mysterious creatures, prehistoric islands crawling with massive reptiles, jokes shared with traditionally dressed warriors and nigths spent in smoky village huts. Additional perks will include camel trekking through piles of peachy dunes, elephant encounters in scrubby acacia woddlands, nights spent out in the open wishing upon shooting stars and, of course, the chance to walk barefoot along the fabled shores of a sea of jade.
In our 21st-century world of wireless internet connections and dumbed-down TV this is a rare opportunity to experience a land and a lifestyle that allows you to leave behind all that is familiar and secure ant to fall completely off the radar. This is northern Kenya and it will be completely unlike anywhere else you know."  
    
 
A decisão foi fácil de tomar.
 
Cansado de back-packers confortáveis mas previsíveis, extremamente ocidentalizados com menus e suas pizzas, hambúrgueres e coca-cola, de partilhar noites com dezenas de turistas viajando em camiões preparados por agências especializadas, queria algo verdadeiramente único, uma experiência marcante e desafiadora.
É incrível como nesta experiência de viajar por África, até este momento (estou no Ruanda) tenho a sensação de se poder fazer, todo o trajecto de uma forma confortável, ficando em bons hotéis, comendo o hambúrguer e as batatas fritas que se comem em casa, sempre contactável e ligado à Internet.
E o que vejo é que a maioria das pessoas viaja desta forma por aqui.
Na minha opinião ainda é possível conhecer o lado mais fascinante e remoto de África. Porém, em muitos casos, a experiência está longe do fácil, do confortável e do acessível.
O prémio pela persistência, coragem e esforço costuma ser inesquecível.
 
Depois de sair de Nairóbi para Norte, junto ao Monte Quénia onde passaria a noite, atravessei o Equador.
Junto da placa anunciando o local dezenas de pequenas lojas vendem lembranças. Ao parar aí a mota para umas fotografias um rapaz, auto-intitulado professor da Lei de Coriollis, correu para mim pronto para me dar uma breve lição.
Porque não?!

- "Faz lá essa demonstração, professor", pedi.
- "Ok, agora estamos no centro, exactamente sobre a linha do Equador. Ali temos o hemisfério Norte e ali temos o Sul. Vou colocar água neste vaso e andar 20 metros para o hemisfério norte e os palitos que estão no seu interior, depois de começar a despejar o vaso através de um funil irão rodar no sentido dos ponteiros do relógio. Depois no hemisfério sul, com o mesmo procedimento os palitos vão girar no sentido contrário. Por fim, aqui neste ponto irás observar que não giram.

E assim fez. Pelo que vi tudo se passou conforme a teoria apresentada. Pelo que já li (ok, confesso que posteriormente fui testar a credibilidade da lição do professor) as coisas não acontecem desta forma em pontos tão próximos mas enfim...tive uma lição da lei de Coriollis de cinco minutos no meio de África, no "meio" do planeta para ser mais exacto.  


Me and Africa alinhados pelo Equador




Demonstração expedita da Lei de Coriollis


Continuando para Norte montei acampamento junto ao Monte Quénia, com uma vista deslumbrante para o segundo ponto mais alto de África.
Com uma altitude de 5199 metros, o Monte Quénia, com a neve visível nos seus cumes, oferece vistas impressionantes e o seu Parque Nacional encontra-se classificado pela UNESCO como Património Mundial.

Depois de uma noite praticamente em claro devido ao frio que senti no interior da tenda "de verão" que tenho, tomei o pequeno-almoço, ainda a tremer de frio, e fiz-me à estrada de seguida.


Ainda de madrugada fui ver as "vistas"



Monte Quénia, o segundo ponto mais alto de África
 

Africa a ter toda a atenção do Sr. pavão local


Despedida do Monte Quénia


Previa um dia duro até à cidade de Mararal e não sabia o estado da estrada que acabei por escolher. Pouco depois de começar a rolar, o asfalto acabou e comecei um dos melhores momentos que passei em cima de uma mota: a condução numa estrada no meio da savana, com emocionantes encontros com animais selvagens. Várias foram as vezes que girafas correram a poucos metros de mim, no seu jeito desengonçado e porte impressionante. Outros tantos animais selvagens estavam ali junto da estrada fugindo assim que me aproximava.

No final do dia cheguei a Mararal e descansei. Ali começava realmente o grande desafio Turkana e aquela cidade em si já mostrava fazer parte de outro mundo. Tribos enchiam as ruas de cor, contrastando com o castanho da poeira levantada pelos camiões que iam passando; os poucos restaurante que existem vendem apenas carne de de borrego com uma dose de ugali, os hotéis partilhavam espaço com talhos onde a carne estava exposta junto da entrada para o hotel; ali já parece estar-se longe de tudo, dos hambúrgueres e da Internet.

No dia seguinte ia tentar fazer os duzentos e quarenta quilómetros até Loiyangalani, uma povoação nas margens do lago Turkana. Levantando-me cedo iria ter mais do que tempo e com certeza chegaria ao lago no inicio da tarde...julgava eu.




"Avenida" principal de Mararal





As diferentes escolhas de hotéis na cidade (quase sempre com o talho à porta)


Demorei onze horas a fazer os quilómetros que separam as duas cidades. Passei nas piores estradas da minha vida, cobertas de pedras enormes, pedras pequenas, pedras com fartura, estradas de areia (nunca gostei tanto de chegar a um trilho de areia solta pois vinha de outros cheio de pedra), estradas na montanha, subidas íngremes e descidas descontroladas.
Durante todo o dia parei apenas para tirar fotografias. Até a água, necessária constantemente tal era o clima quente e árido daquela região, bebia em andamento através de uma bolsa própria para o efeito.
Estava exausto por ter de andar sempre em pé para melhor escolher por onde passava, com tudo a chocalhar, sempre com receio de furar um pneu, partir o amortecedor ou ter qualquer outra avaria.
Passei por muitos poucos camiões nesse dia e por vezes tinha a sensação de estar noutro planeta. A paisagem lunar não deve ser assim tão diferente de alguns locais por onde passei nesse dia.
Quando cheguei ao lago já no final do dia, com o sol a desaparecer as quedas começaram devido ao cansaço e também pelo estado da estrada nos últimos dez quilómetros. Toda a minha força tinha-se esgotado e depois de ter caído pela segunda vez demorei mais de trinta minutos a levantar a mota.
Olhando constantemente para o GPS, vendo os quilómetros passarem lentamente, conquistando-os um de cada vez, acabei por chegar ao meu destino.



Cenários inacreditáveis no caminho para Loiyangalani



Teste de resistência à moto e pneus





Paisagens bem diferentes ao longo do caminho


Enfim a chegada ao lago, o início das quedas e o cansaço


O cenário é maravilhoso. Fica difícil explicar por palavras a beleza do lago, do imponente Monte Kulal, das tribos e dos seu modo de vida.

Parei a mota num espaço que existe para campismo, deixei-me cair numa das cadeiras junto ao relvado e pedi uma cerveja (haverá algo melhor no fim de um dia cansativo cheio de pó e muito calor beber uma "fresquinha"?!).
Numa outra mesa estava um grupo de três italianos e alguns locais que me chamaram para junto deles. O grupo tinha vindo passar umas semanas para acompanhar uns projectos de construção de orfanatos e escolinhas em aldeias carenciadas nesta região e convidaram-me para ficar com eles no espaço da igreja católica local.









Chegada a Loiyangalani, o Monte Kulal e o grande lago.


Acontece que no espaço da igreja, para além de um posto médico e uma escolinha existem também alguns quartos que acolhem visitas e assim, na companhia deste simpático grupo de italianos, do padre da paróquia e rodeado de pequenos luxos como uma piscina natural de água quente (em Loyangalani existe uma fonte natural de água) deixei-me ficar durante a minha estadia na região.
Nessa mesma noite, depois do simples e divino jantar servido ao grupo, deixámo-nos ficar horas a ver as estrelas dentro daquela piscina com uma "puxada" directa da fonte natural.

Era difícil de acreditar que estava dentro de uma piscina enorme de água quente, no meio do deserto, a olhar para o céu cheio de estrelas no meio da noite.

1 comentário:

  1. sabes que eu adoro o facto da tua miss africa estar a tomar quase conta da história, como uma personagem cheia de vida, e seria sem dúvida um exercício bem giro de escrita criativa descrever a tua viagem sob o ponto de vista da tua "áfrica" (nem me atrevo a chamá-la mota!)
    se a trataste bem, ela levou-te até esse destino que todos diziam impossível.
    na nossa lua de mel tb passamos nessa linha e fizemos o teste do alguidar!
    essa paisagem lunar é maravilhosa. e eu não acredito como é q a Missy não tinha lá dentro escondido um polarzinho para o frio! ela que tem sempre tudo!

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