terça-feira, 16 de agosto de 2011

ROAD TRIP SONGS (as 20+ ouvidas ao fim de 12 meses de viagem)

 
"Tendo o IPOD capacidade para 160GB de música vejo com bons olhos mais seis meses de viagem pela frente. Ou não... :)"

Ou sim...
Há seis meses atrás escrevi esta frase quando publiquei aqui o Top 20 com as músicas que mais ouvia durante esta aventura por África; canções com estilos completamente diferentes, tendo em comum o facto de todas me "tocarem" de uma forma muito especial.

Quase seis meses depois desse post penso fazer sentido comemorar um ano de viagem com uma lista actualizada, retirada do meu IPOD.
Nestes últimos seis meses muita coisa aconteceu na minha vida: passei por muitos países, conheci muita gente com diferentes culturas e maneiras de pensar, fiz algumas novas amizades, cimentei outras, despedi-me de pessoas.

Entre risos e lágrimas, noites de saudade de Portugal, da família e dos amigos, dias passados sentado na Miss a fazer quilómetros, deitado dentro do saco-cama numa aldeia perdida, a matar horas dentro de uma sala de migração para entrar num país novo, a caminhar pela praia, na tenda ou num hotel manhoso, estas são as músicas que fazem parte da banda-sonora do meu último ano, o ano em que decidi "fazer do sonho a realidade".

Partilho assim as vinte músicas mais ouvidas nesta viagem:


- Geoffrey Oryema (Market Day):  Ouvir

- Tito Paris (Otilla/Otillo): Ouvir 

- Tiken Jah Fakoly (Viens voir): Ouvir

- Concha Buika (No habrá nadie en el mundo): Ouvir

- Mc Solaar (Hijo de Africa): Ouvir

- Salif Keita (Yamore): Ouvir

- Yuri da Cunha (E tudo mudou): Ouvir

- Souad Massi (Raoui):  Ouvir

- Ablaye Cissoko (Sira): Ouvir

- Kings of Convenience (The girl from back then): Ouvir

- Rodrigo Leão (Voltar): Ouvir

- Mafalda Arnauth (Até logo, meu amor): Ouvir

- Amália Rodrigues (Procura): Ouvir

- Tindersticks (Let´s pretend): Ouvir

- Ismael Lo (Rero): Ouvir

- Nelson Freitas (Faze amor ma bo): Ouvir

- Os Quatro (Kazanga): Ouvir

- Paulo Flores (Cherry): Ouvir

- Mariza e Concha Buika (Pequenas Verdades): Ouvir

- Lura (Pensá Drêt)


Cada vez mais deixa de fazer sentido uma data exacta para chegar a Portugal pois ao longo destes meses de experiências variadas, o ritmo e a rota seguida têm sido moldados pelas situações que me vão surgindo.
Porém, a caminho de casa tudo parece mais rápido e, sempre com música nos ouvidos, vou rodar o punho e pedir à Miss este último esforço. Até Portugal.  

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Togo

A partir do século XIV, povos provenientes da Nigéria colonizaram o actual território do Togo.
Seguiram-se outras tribos que migraram de regiões hoje ocupadas por Gana e Costa do Marfim e durante o século XVIII, foram os dinamarqueses que exploraram a costa do Togo para o comércio de escravos.

No final do século XIX chegaram os missionários alemães e assinaram um acordo com os chefes da região, ficando com o controlo da costa. Só depois da sua derrota na Primeira Guerra Mundial a Liga das Nações retirou o território à Alemanha e dividiu o Togo entre o Reino Unido e a França.
Porém, dez anos depois, a porção britânica foi incorporada ao território do actual Gana, enquanto os territórios franceses se transformaram na República Autónoma de Togo.

Em 1960, finalmente o país conquistou a sua independência.

Quanto a mim, entrei no Togo e logo rumei a Lóme, a sua capital.
A primeira vez que ouvi falar do Togo, um pequeno país na costa oeste africana, foi aquando do atentado ao autocarro da equipa de futebol durante o campeonato africano das Nações (CAN) de futebol, realizado em Angola à pouco mais de um ano e meio.
Mesmo nessa altura, em Angola, pouco se falou sobre o atentado e depois de iniciado o campeonato, em que o Togo acabou por não participar, pouco ou nada se falou daquele país.
Do Togo, como a maioria das pessoas, quase nada tinha ouvido falar e assim não tinha grandes expectativas quando entrei naquele país.

O facto de ter pouca certeza em relação à possibilidade de entrar no Gana, o país seguinte previsto na minha rota, por não ter visto, fez-me ir imediatamente à embaixada daquele país em Lóme e saber se ali o poderia tirar.
Se me fosse recusado o visto teria de alterar os meus planos e rumar a norte, atravessando o Togo, em direcção ao Burkina Faso.

A minha rota estava assim dependente dessa possibilidade e ainda de fato vestido e Miss carregada fui até à embaixada do Gana. Pouco depois tinha a resposta negativa acerca da possibilidade de ali tirar o visto pois só os residentes no Togo o podem fazer.
A minha cabeça em "modo viagem" habitou-se a não aceitar uma recusa e tento sempre contornar as coisas pois a experiência diz-me que quase tudo é possível em África. Tudo pode ser conseguido com dinheiro, imaginação e paciência.

Confesso que naquele momento crescia em mim a vontade de entrar no Gana pois sabia que tinha amigos em Accra e depois de me terem recusado o visto na embaixada pensei em alternativas que evitassem seguir directamente para o Burkina Faso.
Iria no dia seguinte até à fronteira, a um par de quilómetros de centro da cidade e lá tentaria "arranjar solução".

Depois de me alojar num "B&B" no centro fui até ao grande mercado da cidade, um dos melhores locais para se "sentir" Lóme.
Junto da catedral católica, Le Grand Marché, atrai um mar de pessoas, entre compradores, vendedores, lojistas e "taxis-boys".
Ali se estende um verdadeiro festival de cores diante dos nossos olhos e não é difícil perdermo-nos nele, debaixo de um sol abrasador.
A secção de venda de tecidos foi a que mais me chamou a atenção. Ali, nessas tendas, as mulheres vendem esse maravilhosos panos de cores variadas e centenas de padrões.

Depois de uma volta grande, coberto de suor, parei um pouco e refresquei-me com uns sacos de água fresca (substituem as garrafas de plástico nesta região) antes de continuar a minha caminhada pelo areal da praia da cidade.













Le Grand Marché, Lóme








Praia de Lóme


No dia seguinte, bem cedo, fui à fronteira e pedi gentilmente para falar com o responsável do gabinete de migração do Gana, depois de ter recusado entregar o passaporte para as autoridades do Togo me colocarem o carimbo de saída do país.
Não sabia o que iria acontecer e, lembrando a minha experiência em Angola quando me colocaram o carimbo de saída do país para logo a seguir as autoridades da RDC me recusarem entrar, preferi não arriscar.
Pedi assim para falar com o responsável da migração, gritando para me fazer ouvir, tal era o barulho e confusão típicos de uma fronteira principal entre dois países em África.
O guarda de serviço disse-me que me conseguia o visto de urgência mas que me ia sair "muito caro".
Tremi e perguntei quanto seria muito caro.

"150 USD", respondeu o guarda.

"Quanto tempo me dão no Gana com um visto deste tipo?"- perguntei.

"Duas semanas no máximo mas podes sempre comprar mais uns dias oferecendo uma lembrança ao meu chefe.", explicou o guarda com um sorriso.


Nada mau, pensei. Apesar do visto ser caro, tenho vontade de conhecer o Gana. Tenho uns contactos em Accra (pessoal porreiro, disseram-me), e estou mesmo a precisar de descansar um pouco entre amigos.
Que se lixem os dólares, siga para o Gana então.
Decidi assim sair do Togo um dia depois de entrar no país vindo do Benin.

Como disse, estava cansado de viajar, cansado de falar outras línguas, de escolher hotéis e procurar restaurantes. Estava enjoado de comer na rua, fazendo contas às espetadas de carne que comia para não estragar a média dos 2 USD por refeição, cansado da poeira dos camiões, dos bloqueios da polícia e, principalmente, de estar sozinho.

Foi assim uma opção natural e o mais difícil mesmo foi deixarem-me entrar.
Oito horas depois de ter falado com o primeiro guarda da migração, o que me pediu os 150 USD, ainda estava na fronteira, sem ter a certeza de poder vir a entrar naquele país.
Enquanto isso, a cerca de duzentos quilómetros de distância, em Accra, capital do Gana, já um grupo de "maduros" portugueses esperava por mim.   


Preso entre dois países: Togo e Gana


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Benim


Oito vezes mais pequeno que o seu vizinho a leste, o Benim é um país especial que me tocou pelo seu passado rico em história, onde aí os portugueses ocupam um lugar de destaque.
Despertou-me também grande curiosidade a sua religião oficial, o vodu, que é praticada por mais de metade da população e o grandioso mercado de Dantokpa, no centro da cidade de Cotonou.

Vindo da Nigéria pouca coisa mudou. Os coloridos panos usados pelas mulheres e adaptados também para a roupa masculina continuaram a marcar a paisagem nas cidades, as tradicionais cicatrizes profundas nas caras de quase todos e até os camiões desgovernados que, infelizmente neste país, também estão por todo o lado.

Cheguei ao Benim por uma fronteira secundária a cerca de duzentos quilómetros de Lagos, depois de sair da burocrática Nigéria e procurei logo o posto de migração para tratar da papelada.

Em cada fronteira abre-se uma nova "caixinha de surpresas" e desta vez a que me saiu foi agradável.
Depois de carimbado o meu passaporte, contendo o visto previamente tirado na embaixada do país em Abuja, perguntei que documentos precisaria de apresentar para a habitual papelada da importação temporária da mota.

- "C'est bien, pas de problème", disse-me o único oficial de serviço desse dia, mandando-me avançar, sem me pedir qualquer documento da mota.

Nada podia ser mais fácil. Fiz os cerca de duzentos quilómetros até Cotonou por uma estrada alcatroada onde apenas os camiões  me fizeram sair do sério, estendendo o dedo do meio a vários enquanto gritava asneiras em português, tal era a velocidade e a curta distância a que passavam por mim, empurrando-me muitas das vezes para fora da estrada.

Porto-Novo é a capital do país mas Cotonou é a cidade mais povoada, sede do governo e capital financeira do país.
Por lá fiquei uns dias e tive oportunidade de conhecer um dos maiores mercados desta região de África, o Grand Marché du Dantokpa.
Sempre gostei de me perder em mercados deste tipo, sentir a harmoniosa confusão destes locais que são o coração destas cidades. E assim perdido andei durante toda uma tarde, no colorido mercado onde tudo se vende, desde sandálias de plástico, a jóias de ouro, animais vivos, animais cozinhados, legumes, rádios, pneus, filmes DVD, música em cd´s pirata, testículos de macaco e asas de morcego para práticas de vodou, etc.


Vista sobre a cidade de Cotonou

























Grand Marché du Dantokpa, em Cotonou


Encontrar um espaço de qualidade dedicado à arte africana tem sido difícil de encontrar nos países por onde tenho passado mas ultimamente tenho sido surpreendido, especialmente nas ex-colónias francesas, pela qualidade de alguns desses locais e no seu trabalho de promoção de artistas africanos e sua arte.
Uma grande surpresa foi a Fundação Zisou, um espaço incrível no centro da cidade de Cotonou onde tive a oportunidade de visitar a mais recente exposição MANIFESTE, com obras de vários artistas africanos.





Exposição MANIFESTE, patente na Fundação Zinsou em Cotonou


Cotonou significa "foz do rio da morte" em língua Fon, uma referência ao Reino de Daomé.
O território onde está hoje o Benim era ocupado no período pré-colonial por pequenas monarquias tribais que enriqueceram e prosperaram vendendo escravos aos europeus, principalmente aos portugueses.
A partir do século XVII os portugueses estabeleceram centenas de entrepostos ao longo desta região, ficando esta zona marítima conhecida como a Costa dos Escravos.
Os negros capturados pelas tribos eram trocados por armas, especiarias e outros materiais que os portugueses traziam de outras regiões e enviados para o Brasil, Cuba, Haiti, etc.
Parte da cultura africana foi assim enviada para terras brasileiras e outros territórios: deste modo não é de estranhar tantas semelhanças entre brasileiros, cubanos e outros em relação aos africanos; cultura e religião foram exportados para o Brasil,  sendo a religião vodou um bom exemplo.

No século XIX, a França em campanha para abolir o comércio de escravos entra em guerra com os reinos locais e no final desse século o território torna-se protectorado francês, com o nome Daomé.
 

Vista do grande mercado para a cidade de Cotonou


Descanso de um "zemi-john" (moto-boy local) numa das ruas da cidade


O país conseguiu a independência da França em 1960 (tal como muitos outros países africanos nessa década), sob a denominação de Daomé ("Dahomey") e tal como os outros, mergulhou em instabilidade política, com seis sucessivos golpes militares nos anos seguintes.
Felizmente, nos dias de hoje, o Benim é considerado como um modelo de estabilidade em África, mas a sua "democracia" é ainda algo recente.
 
Os dias seguintes naquele país foram passados em Ouidah, a menos de duas horas de distância de Cotonou.
Esta pequena vila é um dos poucos destinos turísticos do país dado o seu valioso passado histórico e por ser a capital da religião vodou no Benim.

Os portugueses chegaram a este local em 1580 ao qual chamaram de Ajuda e construíram o forte São João Baptista da Ajuda anos depois para protegerem os seus interesses do próspero negócio de escravos.
Hoje um museu, o forte só foi abandonado pelos portugueses (pasme-se) no final de Julho de 1961.
 
Foi em Ouidah de onde saiu a maior parte dos escravos que chegou ao portos de Salvador da Bahia, no Brasil, e a estrada que liga a vila até à praia foi o último caminho que milhares fizeram até entrarem nos barcos que os levaram até outro continente. 

Alguns dos pormenores em Ouidah:





O actual museu de história de Ouidah, antigo forte português:










As ruas da vila:








A chamada  "Rota dos escravos" (os últimos quatro quilómetros de milhares de pessoas até à praia onde eram enviados rumo ao Brasil). Recentemente  foi construído no final  desta estrada o memorial intitulado  "Ponto de não-retorno . "
Ao longo da estrada podem ver-se as figuras associadas à religião Vodou.
 











Arquitectura fantástica na vila e gente local

















Ao fim de dois dias de voltas e visitas por Ouidah rumei ao Togo.