quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Zimbábue e o Sr. Mugabé


Que sensação incrível a de partir de novo, com a Miss "limpa e enxuta" e a rolar numa bela estrada rumo a um novo país.
Os cerca de 150 quilómetros que separam Tete da fronteira com o Zimbábue, perto de Dzunga, foram feitos com enorme prazer depois de ter sido obrigado a estar parado durante mais de duas semanas no mesmo sítio a trabalhar na mecânica da mota.
Despedi-me, uma vez mais, de Moçambique e entrava agora num novo país, um país complicado, para dizer no mínimo.
 
Muitos foram os viajantes que fui encontrando ao longo da viagem que me disseram que não incluíam o Zimbábue nas suas rotas.
Alguém me disse que nunca iria passar num país governado por pessoas tão corruptas como o Sr. Mugabé e seus companheiros. Lembro-me de estar com essa pessoa a beber um café numa esplanada no sul do Uganda e ter-me rido daquele infeliz comentário, argumentando que o Uganda não é, certamente um modelo de país democrático com lideres de confiança. Esse jovem, sueco que viajava naquela zona de mochila-às-costas,  disse-me ainda que mesmo que quisesse não poderia entrar no Zimbábue pois o governo sueco  o desaconselha e deste modo não iria contra essa indicação. Outro motivo que deu para não visitar o país foi  o facto do seu seguro de viagem não cobrir aquele país.
Lembro-me do meu ar estupefacto quando ouvi tais argumentos e de pensar nas diferenças de culturas entre latinos e nórdicos. "Mas não podes como?! Seguro?! Tens algum seguro de viagem? Pois, nunca pensei nisso... O teu governo não te deixa???!!".
Pois, o meu governo deve ter certamente mais com o que se preocupar do que fazer tais recomendações...

Bom, o certo é que aquele jovem sueco e muitas outras pessoas com a mesma opinião e receios não virão ao Zimbábue durante os próximos anos uma vez que não se vislumbram melhorias na democracia daquele país. É uma pena para a população pois o turismo, apesar de  quase inexistente  é uma fonte de receita para os zimbabweanos, castigados há muito pelas politicas desastrosas dos seus governantes.

E assim, sem qualquer receio, entrei naquele pais sem qualquer dificuldade, tirando o visto necessário na fronteira com pouco movimento, dirigindo-me para Harare, a capital do Zimbábue.
As estradas naquele pais estão em boas condições e as infraestruturas funcionam. Existem postos de combustível (com gasolina, ao contrário de alguns países vizinhos) ao longo da estrada e algumas lojas vendem comida nas aldeias e pequenas cidades. Tudo parece "normal".

Depois de alguns quilómetros dentro do país a Miss provocou-me um novo susto: depois de se engasgar por diversas vezes parou completamente e assim ficou. Estava numa estrada de asfalto muito pouco movimentada e, ainda "traumatizado" com os acontecimentos do Malawi, receei que tudo aquilo se repeti-se. Teria mais uma vez de colocar a Miss em cima de um camião até Harare?! Estava cansado de avarias e desejei com todas as forças que tudo corresse bem.
Pensei que talvez houvesse um problema com a gasolina que tinha colocado há pouco tempo e consegui fazer mais uns quilómetros até à próxima estação de serviço, drenando completamente o depósito e substituído a gasolina.

E tudo pareceu voltar de novo à normalidade. Arranquei novamente, satisfeito, e cheguei a Harare umas horas depois, debaixo de chuva.


O Zimbábue, anteriormente designado por Rodésia do Sul e depois simplesmente Rodésia, apresenta a maior taxa de inflação do planeta.
É um exemplo de um país cuja política de governação foi e continua a ser ruinosa, sendo os habitantes a pagar a pesada factura acumulada pela demência do seu líder, Mugabé e dos seus colegas de governo.

Este é um país marcado pela hiper-inflação da sua economia nos últimos anos: em Fevereiro de 2007 foi registada uma inflação de cerca de 1800%, subindo para 4500% em Junho e 100.000% no final desse ano. No ano seguinte a inflação chegou ao incrível número de 9.000.000% ao ano e em 2009, aos exorbitantes níveis de 98% por dia.
As ruinosas políticas do governo têm vindo a destruir a economia deste país, arrasando com o sector produtivo e agrícola.
Nos últimos anos, o Zimbábue tem diminuído drasticamente a sua produção agrícola no seguimento de politicas de apropriação de terras. O Sr. Mugabé jogou aqui a cartada da raça, expropriando as terras dos brancos do Zimbábue, os maiores produtores do país, oferecendo-as a governantes e simpatizantes do partido.
Previsivelmente os novos proprietários, depois de enriquecerem com o produto roubado, deixaram a produção cair por falta de competência e investimento, ficando a maior parte dessas terras ao abandono.
 
Nos dias de hoje, o país depende quase exclusivamente da importação de alimentos e da ajuda internacional. 
Deste modo, a economia do Zimbábue, que já foi um dos países mais prósperos de África (conhecido por o "Celeiro de África") encontra-se, desde 2000, numa profunda crise.
 O índice de desemprego é a maior do mundo com 88% e no último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para 2010, mostra o Zimbábue na posição 169, o último país do ranking.






Ruas de Harare, um misto de edifícios coloniais e modernas torres de escritórios com ruas cheias de pessoas tristes, sem esperança num futuro melhor com o seu presidente


O que mais me surpreendeu na cidade foi o preço elevadíssimo de todos os bens de consumo, o preço da gasolina e dos hotéis. Custa-me imaginar como viverão as pessoas o seu dia-a-dia com estes preços.

Tendo um budget limitado, não consegui ficar num hotel em Harare e tive de procurar um pouco mais, encontrando por fim uma pensão mais "barata", onde por 40 USD passei a noite.

No dia seguinte passei a manhã a deambular pela cidade e a descobrir as ruas do seu centro: uma mistura de edifícios coloniais, de arquitectura britânica e torres de escritórios espelhadas.


Robert Mugabé merece um sinal de "Give Way"  para este país poder de novo crescer


O dia estava cinzento e eu não quis ficar mais na cidade. Rumei então a norte em direcção ao Lago Kariba, que faz fronteira com a Zâmbia, mais a Norte.

O Lago Kariba é o maior lago artificial do mundo e está sobre o rio Zambeze, cerca de mil e trezentos quilómetros a montante da sua foz em Moçambique. Este lago "nasceu" em 1959 com a construção da barragem de Kariba e faz de fronteira natural com a Zâmbia naquela região.

Os poucos locais onde é possível ficar junto ao lago estão quase todos do lado do Zimbábue e assim aproveitei para uns momentos de descontracção nas suas margens.
Encontrei um local com vista para o lago, montei a tenda e passei a noite junto das suas margens, uma zona calma e sem mais ninguém em redor.







 Margens do Lago Kariba. Aproveitei para montar a tenda e relaxar longe de tudo.


Estava perto da fronteira com a Zâmbia e no dia seguinte rumei para Lusaka, a sua capital.
Passei a barragem de Kariba e estava num novo país, a Zâmbia.




Perto da fronteira com a Zâmbia:
rectas a perder de vista e curiosos encontros na beira da estrada


A minha curta estadia no Zimbábue não se deveu ao estado politico daquele pais nem tão pouco a nenhuma questão relacionada com a minha segurança.
Na verdade sentia necessidade de rolar, de fazer quilómetros. Sentia-me bem por estar de novo na estrada e queria avançar.
Ainda tinha (e continuo a ter) muitos quilómetros para fazer até completar o meu objectivo: chegar a Queluz, Portugal, acompanhado da Miss Africa (e de preferência que não seja em cima de um camião).


domingo, 24 de abril de 2011

Paragens nas boxes (Tete, Moçambique)


Na fronteira, a falar português, tudo o que precisava acabou por se arranjar.

A boleia até Tete foi negociada com um motorista que se encontrava no local e uma vez mais com a ajuda de algumas pessoas no local a Miss An foi colocada na caixa de uma pequena camioneta. Esperava-nos quase trezentos quilómetros até à cidade e uma vez fechado o negócio queria fazer-me à estrada o mais rapidamente possível. Achei que seria um trajecto directo, sem paragens uma vez que o combinado terá sido isso mesmo, pagando  um valor que em Moçambique é muito elevado.

Naturalmente enganei-me: a viagem demorou mais de sete horas, parando dezenas de vezes para o motorista fazer um dinheiro extra com passageiros, viajando todos na caixa da camioneta, juntamente com a Miss An; coisa normal em África.

Cheguei já escuro a Tete onde liguei ao meu contacto na cidade (o dono da oficina em Joanesburgo deu-me o telefone de um amigo sul-africano que aí vive) e ele esperava-me na berma da estrada quando me aproximei da cidade.
Seguimos o senhor até casa e descarregámos a Miss. Convidou-me para lá ficar em casa; vivia sozinho, tinha as ferramentas necessárias e ajudar-me-ia no que precisasse. Aceitei de imediato, paguei ao motorista, agradeci e fui tomar um duche.

Uns dias mais tarde (mais de uma semana depois, confesso) apercebi-me que o capacete, o meu amado e confortável capacete BMW tinha desaparecido. Nunca soube o que lhe aconteceu mas desconfio que nunca foi retirado daquela camioneta e seguiu caminho de volta para a fronteira com o Malawi.
Lanço o apelo a todos os que estão por Moçambique:  se virem alguém a conduzir com capacete (coisa raríssima naquela banda) reparem se não o faz com um BMW Rally de cor cinza com viseira fumada...:)

Mas o capacete era a menor das minhas preocupações: tinha o quadro partido e a embraiagem não funcionava. Era só nisso em que pensava e tudo o resto era naquele momento secundário.
A primeira tarefa foi a de tentar perceber o que se passava com a embraiagem pois não fazia sentido o facto de me ter precavido meses antes, gastando uma pequena fortuna na colocação de um novo disco de embraiagem em cerâmica (com garantia vitalícia) e agora, passado uns milhares de quilómetros, estar com estes problemas.

O sistema de embraiagem numa mota é um assunto sensível e costuma ser um tema muito discutido entre viajantes. Queimar um disco de embraiagem é um tema delicado pois além de ser muito difícil encontrar um disco adequado para substituir em qualquer país de África (para não dizer impossível) também exige um mecânico qualificado com experiência para fazer esse trabalho, o que é tanto ou mais complicado de arranjar como a própria peça.

Mas, uma vez mais,  acabei por ter sorte pois um outro conhecido do James, o meu mais recente amigo de Tete, também sul-africano e um mecânico experiente imaginem, tem uma mota igual à Miss Africa e tinha acabado à pouco tempo de lhe montar um disco de embraiagem e estava disponível para dar uma ajuda, ainda que a troco de algumas centenas de dólares.


Miss Africa "no sala de operações" depois de lhe ser retirado o quadro e a embraiagem


Depois do mecânico ter "aberto a bichinha" e lhe ter retirado o disco e os pratos de embraiagem detectou que a avaria era devida aos parafusos que ligam os dois pratos que prendem o disco estarem soltos.
O que deve ter acontecido foi ao colocar o disco novo, alguns meses e uns milhares de quilómetros antes, o mecânico da oficina especializada em Joanesburgo (o que me cobrou uma quantia enorme só de mão-de-obra) distraiu-se e não apertou os parafusos o que, obviamente, provocou aquele estrago.
O disco encontrava-se danificado e seria necessário um novo que teria de vir da África do Sul.

O trabalho que agora tinha de ser feito enquanto a peça não chegava (enviada imediatamente pela oficina  da África do Sul, depois de eu ainda ter de arranjar um portador) era tirar o quadro partido da mota e repara-lo, aproveitando para rever todos os reforços que tinham sido (mal) feitos por outra oficina em Nairóbi no Quénia.
Resumindo, todos os reforços feitos há poucos meses foram eliminados e refeitos, desta vez de uma forma correcta, ficando agora com a certeza que não iria ter mais problemas com o quadro da mota.

Com toda esta (má) experiência aprendi que por mais reconhecidas que sejam as oficinas com que trabalhamos tudo pode acontecer e é importante acompanhar os trabalhos de perto. Aliás o que podemos fazer é somente isso pois no final nada é garantido e as coisas podem sempre correr mal.

Apesar de tudo não me fui abaixo; sabia que não ganhava nada em me aborrecer e aproveitei o tempo de espera para reforçar o quadro da mota, substituir alguns parafusos e claro, ganhar algum conhecimento da mecânica da Miss.
Na verdade esperava uma oportunidade como esta para ser obrigado a pegar nas ferramentas e conhecer melhor a minha mota. E ali, mais do que em qualquer outro sítio, o momento era ideal.
 
O James, um senhor nos seus sessenta anos, acabou de vender o negócio de pesca que tinha junto da barragem de Cabora Bassa e tem muito tempo, alguma paciência e muito gosto pela mecânica.
Além de boas ferramentas tem igualmente experiência no arranjo de motas, tendo uma GS igual à Miss, três GS 650 e agora uma KTM 990 Adventure.
Assim, tive a sorte de ficar ali com ele, um companheiro, um amigo e um mestre. Mas as coisas não foram fáceis: apesar do alojamento, do acompanhamento e da experiência do James tive de ser eu a fazer as coisas. Um pouco como um bom professor e um aprendiz: apesar de ele saber e poder fazer tudo aquilo  de uma maneira mais rápida preferia que fosse eu, apesar de lento e inexperiente a fazer as coisas.

Aprendi assim a usar a máquina de corte circular, a rebarbar, a soldar e mais difícil a ter de desmontar uma quantidade enorme de peças (incluindo cabos eléctricos) e no fim voltar a por tudo a funcionar. Tudo acabou por ficar (quase) perfeito (como percebi, da pior maneira, mais à frente já no Botswana).
 Além do quadro ter sido reforçado nos pontos que me pareceram frágeis, foi pintado e de novo montado (a tarefa mais difícil de todo o processo pois o ângulo com que foi soldado era de todo impossível de reproduzir como o original).
Digo com muito orgulho que ficou um excelente trabalho pois foi um grande esforço para mim fazer este trabalho e por acreditar que ficou agora um super-quadro e deste modo, muito mais resistente do que o original.
Não sabendo trocar um pneu há pouco mais de 2 anos "descasquei" a minha GS, tirei-lhe o quadro e reforcei-o. Mais complicado, voltei a pôr tudo no mesmo sitio e imaginem: nem sobraram muitas peças. :)

O disco de embraiagem tinha entretanto chegado e foi montado pelo mecânico sul-africano. Espero  sinceramente que não me dê mais problemas.
Veremos, afinal ainda faltam muitos quilómetros até à garagem lá de casa em Queluz.
 
Foram mais de duas semanas de trabalho intenso e apesar de me dedicar exclusivamente ao trabalho mecânico fui por diversas vezes até ao centro da cidade.
A província de Tete, com uma população de pouco mais de um milhão de habitantes, é das que mais tem crescido nos últimos anos, muito pelo elevado investimento que empresas estrangeiras têm feito na zona, riquíssima em recursos minerais, principalmente carvão.

Também esta região é conhecida pela famosa barragem de Cabora Bassa. Uma das maiores barragens do Mundo (e a maior barragem em volume de betão em África), esta construção foi  iniciada em 1970 e é actualmente ali onde é produzido a maior parte da electricidade de Moçambique (mais de 2000 megawatts de energia), exportando ainda para os países vizinhos.
Os imensos recursos do rio Zambeze e daquela zona, designada  por “Vale do Zambeze”, resultou naquela construção fundamental para o abastecimento de energia a uma vasta região africana.
 Em 2006 o Estado português vendeu parte da participação de 82% que detinha no consórcio de exploração da barragem, ao estado moçambicano, ficando apenas com 15% do capital e como não podia deixar de ser a venda foi muito mediatizada.
A expressão "Cabora Bassa é nossa!!!" ainda se ouve nas ruas das cidades de Moçambique. Ali em Tete, com as muitas falhas de energia que testemunhei enquanto lá estive, ouvi por várias vezes em tom sarcástico da boca de Moçambicanos: "Porra, Cabora é mesmo nossa..."

 Gostaria de ter ido visitar a barragem e até já tinha a autorização e guia necessários para ir,  mas o tempo era curto e a vontade de continuar a viagem era muita e, deste modo, adiei a visita para a próxima. Mais uma boa razão para voltar a Moçambique (tenho já uma lista extensa).

Fiquei-me então pelos cafés da cidade, com vista para o impressionante Rio Zambeze, uma visita às antigas minas de Moatize e ainda tive tempo para comemorar o dia da cidade de Tete com uma corrida de motas ao estilo africano.

Vale a pena salientar ainda que a cidade de Tete é uma das cidades mais quentes do mundo, chegando várias vezes aos 50 graus. Contaram-me que na estação mais "fria" do ano a temperatura baixa para os 30 graus e muita gente anda com casaco na rua...


Vista para o centro da cidade dominada ao fundo pelo rio Zambeze


Apresentação com estilo da corrida de "cinquentinhas" anual na cidade 
 


 As motas (todas com 50cm3 e claro chinesas)





Os pilotos: todos moçambicanos e equipados "à maneira"




A volta de aquecimento com direito a "safety-moto"


 Sempre que o público invadia a estrada a organização batia com o pau (TIA)




Finalmente a partida (apenas com três horas de atraso)


Primeira curva, primeiro acidente
(aqui o público a funcionar como rail-de-protecção)




Trinta voltas num percurso no centro da cidade de Tete
(e estas motinhas andavam: 120km/h nesta recta)








 No final o vencedor esmagou a concorrência



A província de Tete faz fronteira com o Malawi (de onde eu tinha vindo), com a Zâmbia e com o Zimbábue. Em pouco mais de duas horas pode-se chegar a qualquer um destes países e a minha escolha foi a de rumar a Oeste em direcção ao Zimbábue.
Assim que a Miss An ficou operacional fiz as malas, despedi-me do James e rumei à fronteira. Outro país, outra cultura e de novo a incrível sensação de viajar em África.


Agora sim, estava doce

terça-feira, 19 de abril de 2011

Malawi (o lago, a embraiagem e o feitiço)


O Malawi foi visto nas calmas, não por opção mas porque algo se passava com a embraiagem da mota.
Não ultrapassando a aborrecida velocidade de 40km/h, cheguei já sem luz a uma pequena povoação de nome Karonga onde acabei por passar a noite. A chuva resolveu aparecer e foi debaixo de uma torrencial que encontrei um hotel junto ao Lago Malawi, no qual me alojei, acabando só por ver o lago na manhã seguinte. 


 Auto-retrato depois do meu primeiro duche em vários dias com direito a vestir uma camisa (a única que trago na bagagem) para comemorar o momento na companhia de, claro está, uma cerveja gelada



 Só no dia seguinte pude finalmente ver o Lago Malawi


O Lago Niassa, rebaptizado após a independência do país por Lago Malawi, é o grande símbolo geográfico do país, sendo o terceiro lago mais extenso de África, ocupando uma área de aproximadamente 31.000km2.

No século XVII esta região era dominada apenas por uma tribo nativa que mantinha uma aliança com os mercadores portugueses mas em 1700 o império foi dividido e repartido por diferentes tribos.
Porém o primeiro contacto significativo daquela região com o mundo europeu foi com a chegada de Dr. Livingstone à margem norte do lago em 1859 e com o estabelecimento de missões da igreja escocesa naquele local pouco depois.

No final do século XIX estabeleceu-se o Protectorado Britânico da África Central, transformado em 1907 no Protectorado de Niassalândia e em 1953 o governo britânico criou a Federação da Rodésia e Niassalândia, ou Federação Centro-Africana, que compreendia os territórios hoje referentes ao Malawi, Zâmbia, então Rodésia do Norte, e Zimbábue, então Rodésia do Sul.
Só em 1962, o governo britânico concordou em conceder à Niassalândia autonomia e em 1964 o Malawi tornou-se um membro inteiramente independente da Commonwealth.

Dois anos mais tarde, o país tornou-se uma república, ao mesmo tempo que Hastings Kamuzu Banda foi eleito presidente sob uma constituição que permitia a existência apenas de um partido, tendo perdido, alguns anos mais tarde, o título de presidente vitalício, o que abriu as portas à realização das primeiras eleições multipartidárias em 1994, cujos resultados deram uma vitória escassa ao principal partido da oposição, a Frente de União Democrática, liderado por Bakili Muluzi.

Embora politicamente estável encontrei um país mergulhado numa grave crise energética com escassez de gasolina/gasóleo, o que como podem imaginar se reflecte no preço de todos os produtos no próprio custo (escandaloso) daquele bem essencial; o preço da gasolina no Malawi é de quase 2 USD/Litro, mais de 3 vezes superior ao praticado em Angola, por exemplo, e bastante mais do que o que encontrei nos países vizinhos.

Precisava de ter um momento de descanso depois dos dias desgastantes na Tanzânia e decidi dirigir-me mais para sul até Nkhata Bay. Esta tranquila vila de pescadores, localizada junto do lago, sobre as verdejantes montanhas do Malawi, pareceu-me o local perfeito para recuperar do cansaço dos últimos dias e retemperar forças para mais uma etapa na viagem.

Ali, entre leituras e mergulhos nas águas mornas e doces do lago, a actividade do relaxe eleva-se a um outro nível.
Por apenas 4 USD é possível deixar a tenda a alguns metros do lago e gozar de luxos como casas-de-banho com água quente e restaurante com comida saborosa, assim como cerveja fresca.
Os dias foram tranquilamente preenchidos entre leitura,  passeios em canoas tradicionais de onde via os locais pescarem e snorkeling nas transparentes e mornas águas entre milhares de peixes de todas as cores.

 Aqui o tempo não custa a passar...





Jovens pescadores locais apanham os peixes que querem do riquíssimo Lago Malawi


 Da tenda até ao local onde diariamente os pescadores apanhavam o seu sustento eram apenas umas braçadas

Também eu andava na pesca com uma canoa tradicional


 E apanhei uns peixes (inhos)




 Praias paradisíacas no Lago Malawi (aqui além de ser poder beber da sua água fresca também se pode lavar a roupa...)


 


 Durante um passeio de barco o "comandante" mostra um peixe a uma das águias que se encontrava no local

 Depois de chamar a águia pelo nome esta mergulha para uma refeição fácil...



O momento do "ataque"



A praticar mergulho: primeiro o mestre


Depois o "pateta"


No fim lá ganhei a coragem necessária e saltei de cabeça


O mestre no seu auto-intitulado: salto macaco...



Há sempre um cão por perto e este adorava andar de barco

Também há sempre um vendedor à espera de passar a perna ao turista. Este queria trocar os meus ténis por uma das "suas" pinturas... Continuei calçado, claro está.

Crianças bonitas e simpáticas numa aldeia junto ao Lago
O Lago Malawi é um autêntico aquário de água transparente e morna com milhares de peixes coloridos

Final de mais um dia de pesca no lago


Depois de uns dias de descanso em Nhkata Bay, tentando não pensar muito nas dificuldades mecânicas em que a Miss An se encontrava, tive finalmente de seguir caminho e rumar a sul.

Naquela altura pensava ainda conseguir chegar a Pretória na África do Sul para aí, com a ajuda de profissionais, reparar a embraiagem e o quadro da mota e prosseguir viagem. Afinal foi numa oficina daquela cidade que, uns meses antes, me foi colocado um disco de embraiagem novo; teria de regressar.
O meu objectivo era o de fazer quase três mil quilómetros naquelas condições, o que tendo em conta a velocidade muito reduzida a que a embraiagem me permitia deslocar, demoraria no mínimo um par de semanas a chegar ao meu destino, se tudo corresse bem e claro, se a embraiagem aguentasse esse esforço.

Mas naturalmente a embraiagem não aguentou e depois de trezentos quilómetros, no trajecto para Lilongwe, capital do Malawi, a Miss parou.
O facto de "ficar na estrada" a pouco mais de 60 quilómetros da cidade e dada a distancia que tinha já percorrido nesse dia, causou-me uma grande frustração. Restava-me tentar a sorte à boleia de um carro que fosse para a capital e só depois pensaria no próximo passo, no desafio seguinte.

Não passou muito tempo e tudo pareceu que se iria resolver rapidamente; mandei parar um carro que se aproximava em direcção a Lilongwen e pedi delicadamente ao condutor para me dar uma boleia. A Miss An iria atrás na caixa e se tudo corresse  como previsto chegaríamos rapidamente à cidade pagando uma razoável soma ao dono do carro.

Depois de ter envolvido toda a aldeia, que se juntou para ver aquele aparato, conseguimos colocar a pesadíssima Miss em cima do carro e arrancámos para completar a distância que nos separava da capital.

A verdade é que não estava em maré de sorte: o quadro tinha-se partido na Tanzânia, a embraiagem apresentava problemas e agora estava em cima de um carro em direcção a Lilongwe não sabendo o que fazer a seguir. Haveria alguma oficina na cidade capaz de me por novamente em movimento?

A sorte voltou a não estar comigo e passados menos de 3 minutos de condução em cima do carro, uma decrepita viatura, com muitos anos de África e claramente sem a manutenção adequada, parámos com uma avaria mecânica.
Estava novamente encostado na berma da estrada, já com a Miss em cima do carro e não havia meio de chegar à cidade.

Mais meia hora de espera até que um camião em direcção à cidade parou.
Desta vez teria de tirar a Miss de cima do carro e passá-la para o camião. Daria ainda mais trabalho que anteriormente mas uma vez mais, os habitantes locais ajudaram e pouco depois já a Miss aguardava para seguir caminho.
Mais demorada foi a negociação do valor pedido pois agora, para além da mota também o reboque do carro tinha de ser incluído.
Assim, passado quase uma hora de negociações lá partimos, uma vez mais, em direcção a Lilongwe com o camião transportando a mota e rebocando o carro.
O que mais nos iria acontecer?!

Há momentos em que as coisas correm mal. O Universo parece estar contra nós e nada parece acontecer da maneira que esperamos.
A verdade é que ao longo desta viagem estou também a aprender a encaixar melhor o que de menos bom me acontece, a melhor lidar com as frustrações, encarando as dificuldades como fazendo parte do percurso.
A verdade é que os desafios vão sendo ultrapassados um por um e com certeza muito se deve à atitude positiva com que tento encarar os percalços da viagem.
Mais do que preparar a mota para a viagem é fundamental preparar a mente para os desafios que se espera virem a aparecer. Doses maciças de paciência, sacrifício e determinação são necessárias alimentar em nós para "sobreviver", não menos importantes do que cuidar da mota e seu equipamento.





A primeira das duas boleias que apanhei até Lilongwe

Poucos minutos depois de iniciarmos viagem o carro parou







Já em cima do camião rumámos até à capital onde chegámos já de noite


No final do dia cheguei finalmente a Lilongwe, capital do Malawi. Já escuro, sem hotel marcado e a chover, com a mota em cima do camião, sem ajuda para a fazer descer e sem conhecer a cidade. Tive de respirar fundo para decidir o que fazer pois tinha sido um dia muito difícil.
Depois de encontrar sítio onde ficar, descer a mota e arrumar todo o equipamento, cai esgotado na cama e adormeci a pensar como iria eu resolver mais aquela delicada situação.

Lilongwe é uma cidade sem graça. Com muito pouco movimento, dominada por meia dúzia de centros comerciais durante o dia e sem qualquer movimento durante a noite (que é como quem diz a partir das seis da tarde, quando o sol se põe), não foi uma cidade agradável para permanecer.
Deste modo, acabei apenas por passar lá o fim-de-semana até arranjar transporte para Moçambique.

Ainda assim, fui ao representante da BMW , situado numas instalações antiquadas e sem quaisquer condições, onde me disseram que não trabalham em motas. Além dessa, tentei outras oficinas onde me pudessem ajudar, mas todas me pareceram sem condições e vontade para tal.
Liguei ainda para a oficina na África do Sul onde me colocaram o disco de embraiagem e, apesar de não conseguirem ajudar no problema mecânico, recomendaram-me que fosse para a cidade de Tete em Moçambique onde estaria um mecânico sul africano que me poderia ajudar.

Tete, no Noroeste de Moçambique fica a mais de quatrocentos quilómetros de Lilongwe e claro está, teria de arranjar um transporte até lá. Desta vez seria mais complicado: um carro teria de me deixar na fronteira com Moçambique  e outro teria de me levar até Tete.
Passei os dias seguintes em busca do transporte e através de uns contactos na rua consegui o carro que me deixaria na fronteira. Depois tentaria já em Moçambique apanhar outro até ao meu destino.

Chegado o dia marcado para o transporte o carro estava à minha espera na porta do hotel e uma vez mais "lutei" para colocar a Miss AN em cima da caixa, uma vez mais sem rampa, só com a ajuda de pessoas que passavam no local, mas consegui.


A carregar em Lilongwe rumo a Moçambique


Arranjar gasolina para a viagem também foi uma tarefa difícil pois o país está com graves problemas na distribuição de combustível  e todas as bombas estavam secas. Finalmente, depois de muito tempo de posto em posto conseguimos e seguimos em direcção à fronteira.

Uma vez mais, como de um feitiço se trata-se, muito pouco tempo depois de iniciarmos viagem o carro avariou e encostou na berma da estrada... Felizmente, desta vez, o problema foi detectado e arranjado rapidamente.

Mais à frente, uma vez mais...parámos. Desta vez foi um pneu furado que nos brigou a encostar e perder um pouco mais de tempo.

Acabaríamos por chegar à fronteira com Moçambique no início da tarde. A minha viagem até Tete estava cheia de dúvidas. Não sabia como iria fazer os restantes trezentos quilómetros até ao meu destino, se haveria lá alguém à minha espera ou mesmo se houvesse se iria ter capacidade para resolver o problema da mota. Também não tinha telemóvel com cartão de Moçambique e...até a meteorologia não ajudava, tendo começado a chover.

Por outro lado sabia que tinha tempo, havia estado alguns dias a descansar em Lilongwe estando com a moral reforçada, tinha algum dinheiro no bolso e...estava quase em Moçambique.

De novo em Moçambique a falar português, terra de gente simples e boa.

Sabia que tudo se havia de resolver. Tudo haveria de correr bem.



Procura de combustível em Lilongwe


Mais uma vez o carro avariou: feitiço?!



Kuche Kuche: cerveja local


Desta vez um furo...