quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dia 30- 35: Windhoek a Ludertiz

Isto não é África, pensei quando entrei na Namíbia. A partir do momento que entrei neste país, o segundo mais novo de África, muito mudou. Os buracos deixaram de existir nas estradas de asfalto, postos de abastecimento e hóteis podem ver-se fora das grandes cidades, tudo é mais... organizado.
Por outro lado, em relação a Angola, faltam as aldeias de beira de estrada, faltam as pessoas a vender tudo e em todo o lado e, mais importante, sinto falta de alegria neste povo, falta aquele gingar do angolano que, suspeito, os destingue de todos os outros.
Mas, enfim, acabei de chegar à Namíbia e ainda tenho muito para ver...

Até Windhoek a viagem foi tranquila. Já tinha saudades de uma boa estrada e apenas os burros a pastar à beira da estrada me fizeram, de vez em quando, tirar a mão do punho do acelerador. Ainda assim, no momento em que coloquei o IPOD a funcionar os 730 quilómetros que me separavam da capital passaram rápido. A meio da tarde já estava na centro da cidade.

A sensação que tive quando estava na avenida principal de Windhoek, capital da Namíbia, foi que estava ainda nos arredores, numa zona comercial, de uma pequena cidade de um país europeu. Tudo organizado, limpo e ordeiro. Tudo parecia estar em ordem. Não, isto não é mesmo aquilo a que estou habituado vindo de Angola.
Acabei por encontrar um quarto disponível numa casa com pensaão B&B (cama e pequeno-almoço), com um serviço impecável, sossegado e muito agradável. Por cerca de 50 Euros (caro para os padrões locais) arranjei um espaço confortável para passar a noite. Quando estava à beira da piscina com internet wireless a actualizar o blog lembrei-me que o mesmo valor tinha pago no camping no Lubango poucos dias antes.

O meu principal interesse em Windhoek era o de fazer um check-up à mota. Depois de mudar os pneus, ajustar a suspensão (que parecia um ió-ió estragado) e uma limpeza geral, a mota ficou nova. Esta (ainda sem nome) envelhece tão bem que não a trocava por nenhuma das GS´s que vou vendo passar. Esta pertence à família.

Pouco mais fiz em Windhoek. Dei descanso à mota, passei pela cidade, comi bem e fiz as compras que precisava. Na cidade começei logo a notar a influência alemã que (ainda) existe por todo o país. A maioria das turísticas lojas na avenida principal tinham um alemão por detrás do balcão, ouvia-se alemão em todo o lado e muitos dos turístas que se viam adivinhe-se: eram alemães. Grupos turistas da 3ª idade passeam em Windhoek vindos ou indo para um safari, ver as dunas, o canyon ou as tribos Himbas do Norte.

Desde o século IX, quando colonizou esta parte de África, até 1919, a Alemanha perdeu o seu controlo para a África do Sul. Foi atribuído pelas Nações Unidas à África do Sul a administração deste espaço mas, uma vez que era intenção da AS anexar esta terra como mais uma das suas províncias, foi decidido em 1956 o cancelamento desse acordo. Uma vez rejeitada essa anulação pela AS deu-se uma luta armada (tendo Angola apoiado a força independentista - SWAPO) e em 1989 a Namíbia foi considerada uma nação independente, a segunda mais nova do Mundo, a seguir à Eritreia.
Deste modo, grande parte da arquitectura que se vê nas cidades é de influência alemã, o que torna o ambiente especial tendo em conta a sua localização geográfica no continente africano.

Tudo OK, segui para Swakopmund (swakop), dita actual capital da diversão e aventura da Namíbia.



Rota programada para seguir no sul da Namibia


Para mim pouco mais foi que um ponto de passagem. Camiões, carrinhas e jeeps chegam dos safaris, das dunas e das aldeias Himbas da região Noroeste do país carregados de turistas. Em Swakop têm a oportunidade de fazerem exactamente o que fazem em casa: sair à noite, dançar na discoteca os sons que ouvem em casa, gastar uns doláres em whisky e experimentar uma das dezenas de actividades (ditas radicais) que existem para fazer: desde andar de mota 4 nas dunas a fazer skydiving.



Ruas de Swakopmund


Em Swakop o deserto começou para mim. Em Angola, no Namibe, já tinha tido a experiência mas em Swakop o choque foi outro e desta sabia que tinha vindo para ficar. Em primeiro lugar as temperaturas são extremas; tanto pode fazer um calor imenso como um frio de rachar. O vento é inconstante; tanto pode estar um dia calmo, sem uma aragem, como de repente começa a soprar um vendaval. Por diversas vezes tive de conduzir a mota completamente inclinado para um dos lados para o vento não me atirar ao chão. Com o vento vem sempre areia; não basta toda a poeira levantada pelos carros que passam (felizmente poucos), também a areia e poeira levantada pelo vento deixam-me completamente coberto no final do dia.


Muita areia na estrada e pelo ar

De saída de Swakop passei por Walvis Bay, e segui para Sul até Sossusvlei. A partir de Walvis Bay o asfalto acabou e as estradas de gravilha tomaram conta do terreno. Esta região do país é simplesmente linda, com planícies a perder de vista. Isto sim é a África que aparece nos livros, que quero conhecer. Estradas com muito pouco movimento, com rectas intermináveis, atravessando regiões montanhosas, desfiladeiros, rios secos e cidades paradas no tempo. A cada passagem por algum carro um sinal de cumprimento, a cada chegada a uma cidade o ritual de abastecer de gasolina, falar um pouco e seguir. Centenas de impalas pastam à beira da estrada, famílias de macacos procuram comida e param quando ouvem o barulho da mota ao longe, avestruzes olham-me muito atentas.
Apesar de bonita a estrada é muito perigosa: a gravilha torna-a escorregadia, a areia aparece de vez em quando e só atrapalha e as pedras vão desgastando e estão sempre a ameaçar fazer os pneus em tiras.


Estradas lindas mas perigosas


A atravessar o T. Capricornio*


* http://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%B3pico_de_Capric%C3%B3rnio


Nesse dia fiz mais de 400km e cheguei a Sossusvlei no final do dia onde montei a tenda num parque junto ao portão principal do parque natural. Foi-me dito que as motas estavam proibidas de entrar no parque porque, ao que parece, outros teriam andado fora do asfalto, pelas dunas, e foi decidido a proibição. Teria então de conseguir um guia que me levasse antes do amanhecer até à zona das grandes dunas, 40 km para dentro do parque.
Facilmente consegui um carro para as seis da manhã do dia seguinte. Entretanto montei a rede, a tenda, vi o sol pôr-se por detrás das montanhas, bebi uma garrafa de vinho e adormeci.


Finalmente, o descanso


Dormir sob as estrelas


No dia seguinte nem queria acreditar no frio que estava. Ainda noite bem escura fui até ao portão do parque onde me esperava o guia, um rapaz namibiano bem comunicativo. Felizmente era o único ocupante de um Land Rover e iria só com o guia visitar o parque. Passados poucos minutos o facto de carro não ter capota fez com que o frio se torna-se muito desconfortável. Começamos por conversar muito, rir e dizer piadas mas 5 minutos depois de termos arrancado parámos os dois de conversar, esperando a chegado do sol. O vento era muito e havia uma neblina que vinha do mar e que arrefecia ainda mais o ambiente.


Frio do deserto


Entretanto, enquanto as maiores dunas estavam a ser escaladas por alguns turistas (a maior duna tem mais de 300 metros de altura) prontos para apanhar o momento do nascer do dia, nós iamos para o Dead Vlei, uma zona com dezenas de árvores, algumas com mais de 800 anos de idade, mortas, mas ainda de pe. Um cenário que apesar de ser visto em muitas revistas, etc. é fantástico ao vivo.



Experiencia unica em Death Vlei


De seguida andámos pela zona das dunas, observando uma série de animais e apreciando a atracção mais conhecida da Namíbia.




Inacreditavel a beleza deste lugar


Apesar de ser o sitío mais visitado do país não se nota uma enchente de pessoas. O mesmo se aplica aos outros sítios, que apesar de serem muito turísticos, nunca se sente que se está numa zona turística. Eu aprecio muito esta característica da Namíbia.
O resto da tarde foi de descanso pois no dia seguinte teria de fazer quase 600 km até Luderitz, sendo que a maior parte dele por estradas de gravilhas.

Cedo acordei e fiz me à estrada. Quatro horas depois, quando já tinha feito 200km bati com o pneu da frente numa pedra e furei imediatamente. Ok, calma, pensei. Desliguei o IPOD, tirei as luvas e o capacete e examinei o pneu. Até tinha medo de olhar. O sítio completamente desolado onde estava, o vento mais forte que o normal a levantar toda a poeira do chão e o facto de este ser o meu primeiro teste "mecânico" deixou-me nervoso. Vi o rasgão no pneu, fui à mala das ferramentas, tirei o kit de remendos e dei início ao processo. Tiro o taco, abro o tubo de cola especial e nada... o tubo estava vazio..."Tony, meu cabr$o, aldrabaste-me. Tinhas de me dar logo material que tinhas praí há uns bons anos...E agora o que faço?!".Ok, tenho mais cola na mala, cola tipo PATEX, aquela merda cola tudo, vai ter de servir. Coloquei mãos há obra(enchi também as mãos de cola), tirei a cola Patex(que já tinha sido esmagada no saco, abrindo-se e enchendo o interior desse saco com cola...) e tentei colocar os tacos. Enchi o pneu com o compressor e....pssssssssss. Nada, não está bom. O furo é demasiado grande. Vou tentar com os outros 2 tacos que me restam....Nada.Acabaram os tacos.



Segundos depois de tirar estas 2 fotos furei... e fiquei por ali a "apreciar a paisagem"


Ok, ainda tenho as câmeras de ar... Ainda bem que as trouxe. Nisto tinha passado 1 hora desde que parei. Tinha o fato coberto de poeira, os lábios gretados (até ter ido buscar o baton hidratante.:)) mas estava descansado porque tinha comida, água e material de campismo.
Tirei a roda da frente (ainda bem que não foi a detrás, senão tinha de tirar toda a bagagem) e percebi que não tinha a chave necessária para tirar a válvula do pipo da roda e por a câmera dentro do pneu.
Tentei o alicate, outras chaves, nada. Mais uma hora se passou.

Entretanto passa um carro que me perguntou se precisava de ajuda. Eram duas senhoras, de meia idade, pareciam sul africanas, talvez americanas. Perguntei se tinham uma chave de válvula para o pneu. Mostraram-me a ferramenta do carro de aluguer que consistia num estojo igual ao que vem no meu WW pólo de Portugal. "Well,we have extra tyres, so...we dont need that thing...", responderam elas. Pois, qual é o carro que precisa de uma chave de válvulas, tendo 2 pneus extra?! Bem vistas as coisas eu há bem pouco tempo atrás nem não sabia o que isso era.

Perguntaram-me se precisava de ajuda, se queria que chamassem alguém. Disse que não, que tinha água, comida e material para dormir ali (eram 3 horas da tarde). Olharam uma para a outra e fizeram uma cara tipo a pensar: "donde é que apareceu este personagem?!". Partiram, desejando-me muita sorte.

Passado um tempo apareceram 3 motas (todas Gs´s) ao longe. "Estou safo!", pensei eu. Eram 3 Sul-Africanos que tinham alugado motas e que iam para norte. Viram no estojo de ferramentas das 3 motas e nada. A empresa que lhes alugou a mota nem lhes deu material nenhum e aquelas aves raras (mais que eu) andavam a viajar sem qq ferramenta e ainda mais com pneus de estrada...
E não é que passado uma meia hora vejo uma luz ao fundo da estrada, só podendo ser de uma mota, e penso: "eu e a minha estrelinha que me acompanha..." Era outro sul africano que, desta vez, até tinha umas ferramentas. Deu-me uma lata de espuma para tentar ajudar a fazer os 40km´s que me separavam da localidade mais próxima, Batta.
Foi o suficiente para chegar, mesmo fazendo grande parte do caminho com o pneu em baixo, e para arranjar a tal chave e arranjar o pneu. Terminei às 7 da tarde, mesmo à hora para entrar no parte de campismo da localidade de Batta (já com uma chave de válvulas comigo).
Tomei banho e comi umas salchichas alemãs com arroz que me souberam...muitooo bem e dormi.

No dia seguinte tinha de fazer mais de 200km em gravilha com pedras e tentei poupar o pneu ao máximo. Não passei dos 60km/h, tentei evitar todas as pedras maiores e fui muito atento. No caminho passei pelo castelo de Duwisib, que fica no meio do nada e esse facto bizarro por si só vale a visita.



Passagem pelo castelo de Duwisib


Passei por cenários dos mais bonitos que vi, através de planícies montanhosas, pradarias com cavalos selvagens, lugares inacreditáveis, com rectas de dezenas de quilómetros até chegar a Aus, onde começa o asfalto.
A partir daí outra paisagem de cortar a respiração. A 100km de Luderitz, cidade junto ao mar, começa o deserto e a área proibida onde não se pode sair da estrada sob o risco de se encontar um diamante (e levar um tiro).


Estrada para Aus

Cheguei a Luderitz sem problemas. Estava um dia quente, sem vento, perfeito, muito pouco habitual nesta cidade enfiada entre o deserto e o mar.

Vou descansar e aproveitar a costa. Só voltarei a ver o mar, a sul, na Cidade do Cabo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dia 23-29: Luanda a Windhoek (2/2)



E assim segui para a cidade do Namibe pelo troço Benguela-Equimina-Lucira-Namibe.

Ao contrário de outras reabilitações de estradas esta ficou parada há muito. Há dois anos, quando por lá passei, estava na mesma. Nessa ocasião um furo obrigou-me a pernoitar em Lucira e apesar de todas as envolventes dessa aventura vai continuar a ser um dos momentos mais marcantes que vivi em cima de uma mota. Desta vez não houve furo, nem tive companhia mas as pedras continuam lá, prontas para atrapalhar qualquer um. As montanhas, as estradas sinuosas, a imensidão árida e desértica continua lá. Poucas vezes me cruzei com carros e os que passaram por mim vinham na direcção contrária a caminho de Benguela. Pelo caminho encontrei um grupo da Equimina que com as suas motas chinesas remendavam um furo à beira da estrada e uma rapaziada amiga que vinha do Namibe com duas BMW´s 800 e um jeep de apoio.

Habitantes locais a reparar um furo numa das montadas chinesas


Amigos da futebolada de regresso a Luanda

Lembraram-me que ia em direcção contrária a Portugal, pelo que lhes expliquei que primeiro iria até lá ao fim, ao Sul do continente e depois sim seria sempre Norte, até Lisboa.
Continuando, porque as horas não deixam de passar e o sol tem hora marcada para se esconder, rumo ao Sul passando por Lucira, com direito a rever a "cidade" . É de facto muito bonito a chegada a Lucira vindo por esta via e entrando depois num pequeno desfiladeiro que separa as montanhas do mar.
A partir daqui a estrada começa a melhorar. Os caminhos de pedras dão lugares a largas estradas de terra batida, apesar de existir troços com muita areia. O peso da mota e o meu cansaço quase me deitam ao chão, mas lá aguento, com muito esforço, sem uma queda.
E de repente quando ainda faltavam cento e tal kilómetros, quando o sol começou a baixar, o frio a apertar, o cansaço a quebrar e a moral a acabar surge o asfalto. Angola tem destas coisas: para o bem e para o mal conseguimos ser sempre surpreendidos. Desta vez foi positivamente. Mesmo assim teria de aumentar muito a média de velocidade para chegar ao Namibe, uma cidade que não conheço, ainda de dia. Senti ali, com o frio, a imensidão árida e a ausência de movimento, pela primeira vez, o Deserto.
Cheguei à cidade já sem sol, arranjei uma pensão para ficar, jantei, vi o meu Benfica (daqui a quanto tempo verei outro jogo?!) e dormi.

No dia seguinte segui para sul, junto à costa para a cidade de Tómbua, antiga cidade de Porto Alexandre. Estava na cidade mais a Sul de Angola. A partir dali só deserto.

Auto retrato a caminho de P. Alexandre


Antigo porto de pesca, aqui se desembarcavam mais de duas mil toneladas de peixe por dia, sendo o seu único recurso económico a pesca. Dela surgiu a indústria de farinhas e óleos de peixe e o peixe seco.
Neste momento quase tudo parece ao abandono. A cidade continua a viver da pesca mas a maior parte das fábricas fechou.
A cidade foi conquistada ao deserto e dá a sensação que, neste momento, o deserto está a ganhar vantagem sobre ela.
A pesca que se vê é artesanal e, como muitas outras coisas em Angola, o investimento que se nota na cidade para a qualidade de vida da população é muito reduzido.
Falei com um grupo de pescadores antes de irem apanhar camarão. Os que estavam sóbrios disseram-me que ficarão uma semana no mar, junto da costa a apanhar o que puderem.
A cidade acaba ali e ao longe viam-se mulheres carregadas com ameijoas (muitas vinham de 5/6 km de distância) pelas dunas.

Aqui acaba a cidade e começa o deserto


Grupo de pescadores de Tómbua

Quis comer ameijoas ou camarão, ou mesmo um peixe grelhado, num dos poucos restaurantes da cidade.
- "Almoço só por encomenda" , responderam-me lá.
-"Ameijoas, camarão ou peixe não há. Só sopa."

Acabei por comer uma sopa de feijão e seguir para o Lubango.

A estrada até ao Lubango está recuperada. Bom asfalto e uma viagem muito bonita. O ponto alto da viagem foi a subida à Serra da Leba. Esta serra divide a zona desértica da região planáltica. Lá em cima a vista é muito bonita e aproveitei para descansar um pouco.

Serra da Leba: subida para o planalto


Até ao Lubango foi um pouco mais e resolvi acampar num pequeno aldeamento: "Kimbo do Soba". :) Não é um kimbo barato pois uma noite (a acampar) custa mais de 50 Euro... Aiué, Angola do meu coração...o que será de ti?!

Acampar que nem um Soba


Passada a noite sob as estrelas estava na hora de mudar de ares. Em direcção ao Sul, rumo à Namíbia o dia ia ser longo. A Tundavala e sua fenda tinham de ficar para depois.
Sabia que a estrada para Ondjiva não estava nas melhores condições e então resolvi sair cedo do Lubango. Não sabia o que me esperava.
Primeiro foi o asfalto. Uma boa estrada, bonitas paisagens mas uma velocidade nunca acima dos 100 km/h pois o gado era muito junto à estrada. Em Angola mesmo numa estrada com bom asfalto as preocupações são muitas: óleo, água e nunca a garantia de não encontrar um daqueles buracos ou lombas não sinalizadas na estrada. Os animais e as pessoas a atravessar são outra preocupação e depois há as pedras deixadas pelos camionistas usadas quando os camiões avariam (e avariam muito, nesta terra). Por várias vezes apanhei sustos e tive de usar toda a força nos travões para evitar bater num boi (ou seria numa vaca?!) ou numa cabra e acabar a viagem mais cedo.
Depois começam os buracos. Minto, não são buracos. São fendas, gigantescos rasgos numa antiga estrada onde qualquer distracção pode acabar em tragédia. Muito devagar lá fui, serpenteando-os e avançando a passo de caracol rumo a Ondjiva.
Depois veio a areia, as lombas, o pó e ainda tantos quilómetros pela frente. Já se fazia tarde e sabia que tinha de chagar rápido até à fronteira.
Pelo caminho, depois de um saco me ter saltado da mota, parei. Perto de mim estava uma rapariga nova que me disse adeus. À medida que caminhava ouvia se a música de pequenos sinos, daqueles que se utilizam para melhor localizar o gado. Estava com os pequenos seios destapados, vestia roupa local, coberta de missangas. Pedi para tirar umas fotografias e conversei um pouco com ela. Ia para a aldeia levar o irmão mais pequeno. Chamava-se Mónica e tinha 14 anos.
O meu gosto e até fascinio em viajar por Angola é a sua riqueza cultural e o facto de poder, em muitos sítios falar a língua do seu povo. Entender as pessoas, comunicar, saber um pouco mais sobre o que fazem e do que vivem. Poder responder à sua curiosidade em português é uma sorte muito grande que temos. Nem que seja para um simples, olá.




A Mónica

Rumando a Ondjiva


Cheguei à fronteira às 16:30h. Rapidamente resolvi a papelada e entrei na Namíbia. Foi simples, fácil e pareceu-me que ali podia passar sem dar satisfação a ninguém. É a fronteira principal entre estes dois países.

Já na Namíbia rolei mais 50 km até Ondangwa onde me presenteei com um bom hótel e um banho de imersão. Foi o dia mais cansativo que tive desde a partida de Luanda.

No dia seguinte com todas as forças rumei a Windhoek onde fiz facilmente 730 km.

O Norte da Namíbia ficará para o regresso.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dia 23-29: Luanda a Windhoek (1/2)

A partida foi feita em Viana, no estaleiro onde o Miguel trabalha. Tinha de ser mesmo ali. Nas últimas semanas toda a preparação da mota foi aí feita e tenho dúvidas se os primeiros 3000 kms até Windhoek teriam sido possíveis sem o enorme apoio do Miguel e da "sua oficina".
Montadas prontas, Km 0, partida!!!


Antes da partida ainda cheguei a ter 1 saco de plástico cheio de material que precisava de ter lugar na bagagem da mota pelo que tive de improvisar mais um espaçinho para caber tudo.
Além da ocupação do espaço também é necessário que tudo esteja bem acondicionado, bem apertado e bem protegido com cadeado. A arrumação da bagagem sofre diariamente alteração e melhoramento. Todos os dias, após a chegada a qualquer destino, depois de horas de condução, a tarefa de tirar malas, desempacotar roupa, etc, torna tudo muito cansativo. É tudo tão mais simples quando viajamos de mochila às costas.
Mas há poucas coisas que não têm solução e com alguma imaginação tudo coube, tudo se apertou um bocadinho mais e (quase) tudo chegou a Windhoek (esqueci-me do transformador do computador no Lubango)...

Paragem no Dondo onde estive no antigo hotel da cidade (da tia Deti)

Desta vez a viagem até ao Huambo aconteceu sem problemas de maior. No natal anterior tinha passado (e feito passar a Raquel) por alguns momentos encharcados e por uma noite mal dormida, mas nesta época a chuva ainda anda noutras bandas.

Edifício em ruínas em Quibala (Kuanza Sul)


Seguimos (eu e o Miguel) sempre a velocidades moderadas, sempre em asfalto e a desfrutar de paisagens bonitas.
Por mais que viaje em Angola e apesar de todas as dificuldades que existem (animais e pessoas a atravessarem a estrada, óleo, água, pedras, buracos, vidros, etc no asfalto isto é, se houver asfalto, falta de postos de serviço, falta de assistência, total inconsciência dos condutores, intenso tráfego de pesados,etc, etc) não consigo deixar de ter enorme prazer em conduzir por aquelas estradas. Há sempre o olhar e o sorriso das pessoas por quem passamos, o adeus dos putos, o olhar de espanto dos mais velhos, sempre uma entre-ajuda de quem circula nas províncias, sempre um sentimento de aventura associado a qualquer destino.

Palavras para quê?!


Chegados ao Huambo no final da tarde estava à nossa espera um colega do Miguel que nos cedeu a casa para pernoitarmos e nos levou a jantar. A cidade estava em festa. No dia seguinte realizavam-se as corridas do Huambo e, devido ao fim de semana prolongado, muita gente de Luanda tinha descido até lá. Restaurantes, hotéis, tudo estava cheio.
Acabou por ser muito agradável a estadia e depois de um bom pequeno almoço rumámos a Benguela, via Caala.

Das coisas que mais me surpreende em Angola é a rapidez com que as estradas foram feitas e os acessos melhorados. Tudo se passou no espaço de 4/5 anos. Esta estrada, por exemplo, bem como o caminho de ferro ainda em construção, foi rapidamente executada (falta um ligeiro troço perto da Ganda), demorando agora pouco mais de 4 horas para chegar a Benguela, quando há 4 anos se chegava a demorar 20 horas!!?
O que se vê em alguns troços, é uma "auto-estrada" de asfalto novo em locais onde antes existia um "caminho de cabras". Aldeias são agora separadas por estas vias onde passam carros a alta velocidade. O modo de vida de grande parte da população dessas zonas, porém, pouco deve ter sido alterado.

Queríamos acampar na praia da Caotinha em Benguela, uma das praias mais bonitas que conheço em Angola. O plano era esse. Chegados à praia no final do dia um grupo de gente boa (Cascas e companhia) acolheram-nos na sua casa num final de sábado perfeito: casa em frente ao mar, boa música, cerveja fresca, umas amêijoas frescas apanhadas ali à frente e boa companhia.
Bem cedo despedi-me do Cascas e do Miguel que seguiu para Luanda (trabalho a quanto obrigas...) e segui para o Namibe, via Lucira.

Acordar assim na Caotinha...


Deixei naquele momento de viajar acompanhado e começou ali a minha viagem solitária. Sem dúvida que gostaria de ter seguido com o Miguel, de ter uma companhia, um amigo com quem contar, alguém para partilhar toda esta viagem, um cúmplice... mas fazer o quê?! Siga a viagem, então.

As próximas 10 horas seriam bastante duras até chegar à cidade do Namibe, passando das agradáveis e quentes praias de Benguela até ao início do mais antigo deserto do Mundo, o Deserto do Namibe (http://pt.wikipedia.org/wiki/Deserto_do_Namibe).

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Dia 22 - Adeus Luanda (a viagem começa aqui)

Pois era, o dia de hoje devia ter sido o dia da partida de Luanda. Deveria estar por esta hora em Benguela de pernas esticadas com o mar da Caotinha ao fundo. A tenda estaria montada e a lenha para a fogueira reunida pronta para ser acessa.

Tudo se alterou... Tudo não. Apenas o dia de partida e o trajecto. Coisa sem importância. Partirei amanhã, 6ºF, dia 17 de Setembro de 2010. O dia do Herói Nacional, feriado em Angola, marcará o início desta Aventura.

Sairei com o Miguel Escaleira rumo ao Huambo. Do Huambo seguiremos para Benguela e, já no Domingo, depois de me despedir do Miguel, conto rumar a Sul para o Namibe, seguido de Lubango e Namíbia. Serão dois mil kilómetros dentro de Angola.
A Windhoek espero chegar 5ºF,dia 23 de Setembro.

Por Luanda continuo à volta da mota. A mecânica está vista e fica a difícil tarefa de organizar, empacotar e arrumar toda a bagagem para a viagem. Ferramentas, material de campismo, peças extra, roupa, máquinas fotográficas, computadores, documentos, estojo de higiene... tudo tem de caber, estar acessível, estar bem amarrado, estar seguro.
Quase a terminar lembro-me do livro que estou a ler "Into Africa", um excelente relato sobre expedições a África à 150 anos atrás, onde centenas de escravos carregavam todo o material necessário para meia dúzia de ingleses explorarem o interior africano. O que pensaria Livingstone ao imaginar a viagem que me proponho fazer em cima de uma moto levando pouco mais de 2 malas de material e roupa?! :)

Neste momento tudo está pronto para amanha, bem cedo fazer-me à estrada porque como dizem "o caminho faz-se caminhando"...



domingo, 12 de setembro de 2010

Dia 17 - Preparação (quase) terminada



Finalmente a preparação da mota acabou. Foi uma semana cheia de trabalho de oficina. Foi tempo de limpar e olear a máquina. E tanta coisa houve que fazer que ocupei toda a semana nestes trabalhos.
O cacimbo está a terminar trazendo o calor e a chuva... Ainda assim a temperatura esteve agradável para o trabalho e durante a semana poucas vezes se viu o Sol.
Com a preciosa ajuda do Miguel Escaleira lá fomos limpando, montando todas as peças (sobraram poucas peças no final e isso foi bom :)) e oleando a máquina.
No dia de ontem lavou-se a "burra" e testei-a na picada (vou tentar colocar o vídeo).

Ainda assim tem umas "coisinhas para afinar".

A viagem vai ter início no dia 16 de Setembro (próxima 5ºF) rumando para Sul até Benguela.

A vontade de montar a rede e estender-me numa das praias da Caotinha é muita..











sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Dia 14 - O Mambo já ronca!!!



Cada vez mais perto do início. Mais um dia na oficina. O mambo já ronca!!!

E que som tão bonito...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dia 10 - Peixe na mesa

Peixe na mesa (almoço de domingo)!!!




Almoço de Domingo na Chicala (Ilha de Luanda): Garopa na grelha com batata doce e feijão com óleo de palma.

domingo, 5 de setembro de 2010

Dia 9 - "Vamos à pesca!"

Nunca fui de pescas. Nunca fui de caça. Porém sempre fui de comer e, em terra de abundância, peixe é coisa que não falta.
E nada melhor que uma garopa assada com batata doce e feijão com óleo de palma para o almoço de domingo...
Comer o peixe que se apanhou na véspera é (deve ser) bom e...só para pescadores.

Até se previa uma boa pescaria no "Morro dos Veados", a pouca distância de Luanda.

Tínhamos o material necessário: um grupo porreiro, muita cerveja Cuca, gelo, canas minhocas e carapaus para isca.





Só faltava o peixe morder.

E mordeu...





Fica o meu balanço (negativo) no fim da noite:

- 1 peixe (inho) (os peixes não se medem aos palmos...)

- 30 lançamentos feitos (30 minhocas + 3 carapaus de isca) sem sucesso.


O balanço da pescaria (grupo): 1 raia + 5 peixes minorcas + barrigada de cerveja + muito convívio.





Ah, e a garoupa do almoço de domingo, comi-a à mesma e nem me soube mal... :)