E assim segui para a cidade do Namibe pelo troço Benguela-Equimina-Lucira-Namibe.
Ao contrário de outras reabilitações de estradas esta ficou parada há muito. Há dois anos, quando por lá passei, estava na mesma. Nessa ocasião um furo obrigou-me a pernoitar em Lucira e apesar de todas as envolventes dessa aventura vai continuar a ser um dos momentos mais marcantes que vivi em cima de uma mota. Desta vez não houve furo, nem tive companhia mas as pedras continuam lá, prontas para atrapalhar qualquer um. As montanhas, as estradas sinuosas, a imensidão árida e desértica continua lá. Poucas vezes me cruzei com carros e os que passaram por mim vinham na direcção contrária a caminho de Benguela. Pelo caminho encontrei um grupo da Equimina que com as suas motas chinesas remendavam um furo à beira da estrada e uma rapaziada amiga que vinha do Namibe com duas BMW´s 800 e um jeep de apoio.
Lembraram-me que ia em direcção contrária a Portugal, pelo que lhes expliquei que primeiro iria até lá ao fim, ao Sul do continente e depois sim seria sempre Norte, até Lisboa.
Continuando, porque as horas não deixam de passar e o sol tem hora marcada para se esconder, rumo ao Sul passando por Lucira, com direito a rever a "cidade" . É de facto muito bonito a chegada a Lucira vindo por esta via e entrando depois num pequeno desfiladeiro que separa as montanhas do mar.
A partir daqui a estrada começa a melhorar. Os caminhos de pedras dão lugares a largas estradas de terra batida, apesar de existir troços com muita areia. O peso da mota e o meu cansaço quase me deitam ao chão, mas lá aguento, com muito esforço, sem uma queda.
E de repente quando ainda faltavam cento e tal kilómetros, quando o sol começou a baixar, o frio a apertar, o cansaço a quebrar e a moral a acabar surge o asfalto. Angola tem destas coisas: para o bem e para o mal conseguimos ser sempre surpreendidos. Desta vez foi positivamente. Mesmo assim teria de aumentar muito a média de velocidade para chegar ao Namibe, uma cidade que não conheço, ainda de dia. Senti ali, com o frio, a imensidão árida e a ausência de movimento, pela primeira vez, o Deserto.
Cheguei à cidade já sem sol, arranjei uma pensão para ficar, jantei, vi o meu Benfica (daqui a quanto tempo verei outro jogo?!) e dormi.
No dia seguinte segui para sul, junto à costa para a cidade de Tómbua, antiga cidade de Porto Alexandre. Estava na cidade mais a Sul de Angola. A partir dali só deserto.
Antigo porto de pesca, aqui se desembarcavam mais de duas mil toneladas de peixe por dia, sendo o seu único recurso económico a pesca. Dela surgiu a indústria de farinhas e óleos de peixe e o peixe seco.
Neste momento quase tudo parece ao abandono. A cidade continua a viver da pesca mas a maior parte das fábricas fechou.
A cidade foi conquistada ao deserto e dá a sensação que, neste momento, o deserto está a ganhar vantagem sobre ela.
A pesca que se vê é artesanal e, como muitas outras coisas em Angola, o investimento que se nota na cidade para a qualidade de vida da população é muito reduzido.
Falei com um grupo de pescadores antes de irem apanhar camarão. Os que estavam sóbrios disseram-me que ficarão uma semana no mar, junto da costa a apanhar o que puderem.
A cidade acaba ali e ao longe viam-se mulheres carregadas com ameijoas (muitas vinham de 5/6 km de distância) pelas dunas.
Quis comer ameijoas ou camarão, ou mesmo um peixe grelhado, num dos poucos restaurantes da cidade.
- "Almoço só por encomenda" , responderam-me lá.
-"Ameijoas, camarão ou peixe não há. Só sopa."
Acabei por comer uma sopa de feijão e seguir para o Lubango.
A estrada até ao Lubango está recuperada. Bom asfalto e uma viagem muito bonita. O ponto alto da viagem foi a subida à Serra da Leba. Esta serra divide a zona desértica da região planáltica. Lá em cima a vista é muito bonita e aproveitei para descansar um pouco.
Até ao Lubango foi um pouco mais e resolvi acampar num pequeno aldeamento: "Kimbo do Soba". :) Não é um kimbo barato pois uma noite (a acampar) custa mais de 50 Euro... Aiué, Angola do meu coração...o que será de ti?!
Passada a noite sob as estrelas estava na hora de mudar de ares. Em direcção ao Sul, rumo à Namíbia o dia ia ser longo. A Tundavala e sua fenda tinham de ficar para depois.
Sabia que a estrada para Ondjiva não estava nas melhores condições e então resolvi sair cedo do Lubango. Não sabia o que me esperava.
Primeiro foi o asfalto. Uma boa estrada, bonitas paisagens mas uma velocidade nunca acima dos 100 km/h pois o gado era muito junto à estrada. Em Angola mesmo numa estrada com bom asfalto as preocupações são muitas: óleo, água e nunca a garantia de não encontrar um daqueles buracos ou lombas não sinalizadas na estrada. Os animais e as pessoas a atravessar são outra preocupação e depois há as pedras deixadas pelos camionistas usadas quando os camiões avariam (e avariam muito, nesta terra). Por várias vezes apanhei sustos e tive de usar toda a força nos travões para evitar bater num boi (ou seria numa vaca?!) ou numa cabra e acabar a viagem mais cedo.
Depois começam os buracos. Minto, não são buracos. São fendas, gigantescos rasgos numa antiga estrada onde qualquer distracção pode acabar em tragédia. Muito devagar lá fui, serpenteando-os e avançando a passo de caracol rumo a Ondjiva.
Depois veio a areia, as lombas, o pó e ainda tantos quilómetros pela frente. Já se fazia tarde e sabia que tinha de chagar rápido até à fronteira.
Pelo caminho, depois de um saco me ter saltado da mota, parei. Perto de mim estava uma rapariga nova que me disse adeus. À medida que caminhava ouvia se a música de pequenos sinos, daqueles que se utilizam para melhor localizar o gado. Estava com os pequenos seios destapados, vestia roupa local, coberta de missangas. Pedi para tirar umas fotografias e conversei um pouco com ela. Ia para a aldeia levar o irmão mais pequeno. Chamava-se Mónica e tinha 14 anos.
O meu gosto e até fascinio em viajar por Angola é a sua riqueza cultural e o facto de poder, em muitos sítios falar a língua do seu povo. Entender as pessoas, comunicar, saber um pouco mais sobre o que fazem e do que vivem. Poder responder à sua curiosidade em português é uma sorte muito grande que temos. Nem que seja para um simples, olá.
Cheguei à fronteira às 16:30h. Rapidamente resolvi a papelada e entrei na Namíbia. Foi simples, fácil e pareceu-me que ali podia passar sem dar satisfação a ninguém. É a fronteira principal entre estes dois países.
Já na Namíbia rolei mais 50 km até Ondangwa onde me presenteei com um bom hótel e um banho de imersão. Foi o dia mais cansativo que tive desde a partida de Luanda.
No dia seguinte com todas as forças rumei a Windhoek onde fiz facilmente 730 km.
O Norte da Namíbia ficará para o regresso.
Nasci em Angola a Norte,no Uíge.Sou colega na rádio do Jorge Afonso,que me falou desta tua aventura por terras Africanas,que agora comecei a acompanhar.Ver as fotos,ler o que vais escrevendo tem sido uma interessante viagem ao meu passado.Vais ter um dia muitas histórias para contar,daquelas que se ouvem sem sequer ousarmos interromper.Gosto muito de fotografia e fazer essa viagem seria certamente uma festa.As que tens aqui publicadas estão fantásticas.Beber a água do “Bengo” deu nisto não é Gonçalo?Quem bebe não esquece mais África,nomeadamente Angola.Por aqui andarei até que essa viagem fantástica se complete,que corra tudo bem.Um abraço.Gil Veloso.
ResponderEliminarAcompanho-te no teu blogue à quase 1 ano Gonçalo. Ler e reler os textos que tu tão bem escreves e descreves continua a fazer as minhas delícias...lá vou eu conhecendo a minha terra através de ti...ao fim de 1 ano as lágrimas continuam a escorrer-me cara abaixo cada vez que te leio...saudades da Terra da qual já não me lembro mas que os meus pais fazem questão de não esquecer...
ResponderEliminarForça nisso Gonçalo...continua o bom trabalho.
Que a tua Estrelinha te proteja sempre...
"Branquela"