terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dia 54-59: Lesoto (Parte II)


Tinha chegado a altura de viajar ainda mais para o interior. Queria conhecer a parte mais rural do Lesoto.

Depois de passar pela capital, Maseru, enfrentei os exigentes quilómetros de estrada de gravilha e pedra e rumei a Semonkong, outra "pérola" deste país, outro posto de paragem para conhecer a região central.


O cenário incrível de montanhas manteve-se rumo a Semonkong


Junto a Semonkong, na margem de um rio, foram construídas meia-dúzia de casas típicas onde por algum dinheiro se tem o conforto de água e cama quente. Tudo muito básico, muito simples e confortável; tudo o que é preciso.


Casa típica onde fiquei em Semonkong


No dia seguinte a mota ficou recuperar forças junto ao estábulo do lodge. Alguns cavalos , que passeavam livremente no espaço do lodge, passavam junto dela, olhando-a com curiosidade.

Semonkong é conhecido como o "sítio do fumo". Tal nome deve-se ao facto de, a pouca distância, existir uma queda de água com mais de duzentos metros de altura. O rio simplesmente se lança da montanha, para continuar, lá em baixo, o seu curso. Este espectáculo cria uma nuvem de vapor de água de grande impacto e beleza. Há poucos meses tudo estava coberto de neve, dando ainda uma maior beleza ao local.
O passeio às quedas foi feito da maneira tradicional: a cavalo. Tendo feito quase 10.00km desde Luanda, pensei que a AFRICA não se importaria de ser trocada por um dia. Depois daqueles quilómetros do dia anterior, onde vários parafusos deixaram a sua rosca, foi o melhor que fiz. Segui lado a lado com habitantes locais, quase todos a cavalo ou montados nas suas mulas, partilhando o vento frio das montanhas e toda aquela paisagem.





Maletsaneyane Falls, as mais altas cascatas do Lesoto


Depois, deixei-me envolver pela aldeia. Fui-me perdendo, procurando perceber como se vive naquele local, visitando casas, falando com pessoas, assistindo a actividades tão variadas como o de reconstruir o telhado de uma casa, acompanhar as tosquias de ovelhas ou o moagem de farinha para o pão da aldeia. Fiquei nesses sítios, sem pressa, como acho que tem de ser.






Algumas imagens da sessão fotográfica - "Tosquias"







Algumas imagens relacionadas com o processo de fabricação de pão na cidade




Parte da foto reportagem "Telhados"


Pormenor de espaço do curandeiro em Semonkong


Foto de amigos


Impressionou-me o facto de ali, naquela canto, quase todo o comércio ser controlado por chineses. Já deviam ter chegado à bastante tempo pois falavam a língua local e pareciam integrados: à maneira chinesa.
Tenho visto chineses em todos os países em África por onde passo e penso qual será a consequência desta "invasão". Será negativa?! Ajudará o crescimento e desenvolvimento de África este "investimento" chinês?! E a que preço?!


Uns dias depois segui para Mokhotlong, uma pequena cidade na parte Este do país.
Pelo caminho consegue-se dislumbrar parte da cordilheira do Drakensberg.
O nome desta cordilheira em língua local é UKhahlamba, que significa “barreira de lanças”.
Depois de vários dias a viajar no Lesoto continuava a não me habituar aquelas paisagens imensas. Tudo é incrivelmente belo e exige contemplação.


Ao fundo a cordilheira de Drakensberg

Estando perante tal cenário percebe-se o porquê deste nome. É aqui, no lado do Lesoto, no monte Thabana-Ntlenyana, com 3482 m de altitude, que se situa o ponto mais elevado desta cordilheira, e também de toda a África Austral. É, deste modo, o ponto mais alto a sul do monte Kilimanjaro, na Tanzânia.
Cheguei, num dos pontos do percurso a estar a cerca de 3.200 metros de altitude, onde agradeci o facto de ter a máscara de neve que tinha comprado uns dias antes. Os encontros com gente local, mesmo nessas altitudes sucediam-se: algumas bem curiosas.


Pastores nas altas montanhas do Lesoto tocando guitarra feita com materiais reciclados



Juntei-me ao grupo...


Assim, de mão frias e coração quente, deixei o Lesoto rumo a Pretória, na África do Sul.


Levo o Lesoto no coração

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dia 54-59: Lesoto (Parte I)


A palavra Lesoto (le-soo-too) traduzida para o português significa "reino dos céus". Para se perceber porquê basta dizer que é o país no Mundo que tem no seu ponto mais baixo o mais alto em todo o Mundo. Isto é, não se consegue estar a menos que 1000 metros de altitude neste país.

Entrando no país sobe-se a outro mundo. Uma terra de cenários de montanha lindos, trilhos fantásticos, povoada de gente humilde, trabalhadora e com orgulho na sua tradição: o povo basotho. Em grande parte dos locais os carros são substituídos por cavalos e as carrinhas de carga por mulas.

É uma África diferente esta, chegando nos meses de inverno a estar coberta de neve. As pessoas, mesmo com um clima que neste momento em muitas zonas me parece temperado, cobrem-se de mantas de algodão e usam máscaras de neve.
Todo este cenário dá a sensação de se estar a viver num Faroeste. Junto aos mercados cavalos e mulas são presos em locais próprios, por todo o lado se ouve o relinchar dos animais. As mulas, pacíficas, são carregadas com sacos de farinha e até cerveja..



Mulas de carga (farinha e cerveja local - Maluti)


Mesmo assim não consegui passar por bashoto...


Entrei no Lesoto por uma das fronteiras menos frequentadas. No geral, nos países que atravesso, gosto de escolher a passagem menos frequentada. Gosto de fronteiras, daquelas "entradas" remotas, só com gente locais, onde muitas vezes apenas existe um guarda e pouco mais.
Desta vez foi igual. Nem foi preciso tirar o capacete. Carimbo no passaporte e siga. Porque tudo tem de ser tão difícil na maior parte dos países em África. Porque não pode ser como o Lesoto?!


Na "terra de ninguém" entre África do Sul e Lesoto

A partir do momento que entrei no Lesoto percebi que as boas estradas em alcatrão tinham acabado. Chega de Ipod nos ouvidos e "apenas rodar o punho". Voltou outra vez a preocupação com os buracos na estrada, a tensão acumulada nas costas, o medo que qualquer animal (racional ou não) se atravesse de repente no meu caminho.


Bem vindo ao Lesoto


Depois de entrar pela fronteira de Tele Bridge, na parte Sudoeste do Lesoto dirigi-me para Nordeste, para Malealea.
Ao chegar, atravessando aqueles últimos quilómetros deparei-me com uma placa onde se podia ler:


"Wayfarer, Pause and Look Upon
A Gateway of Paradise"



Entrada para o paraíso (Malealea)


Passada este aviso dezenas de montanhas começaram a aparecer no horizonte, um cenário inexplicável. O já adiantar da tarde, com a "luz mágica" de final de dia típica de África, reforçou ainda mais a beleza daquela paisagem.


"Estradas" de cortar a respiração


Malealea começou por ser um posto de paragem onde viajantes podiam descansar, obter provisões e continuar sua viagem e foi-se transformando em lodge onde turistas podem ficar para apreciar o melhor do Lesoto tem para oferecer. Casas típicas dos Basotho são postas há disposição: comida, água e cama lavada dão às pessoas o conforto (mais que) suficiente para por ali ficar e conhecer a região.




Local ideal para descansar (mesmo que seja à luz de vela)


Aqui se começava o dia com o pequeno-almoço
(a antena parabólica é, obviamente, uma piada)


Energia só mesmo desta maneira


Estava ali para conhecer a região e assim o fiz.
No dia seguinte tirei todo o peso da "minha mula" e só com a máquina fotográfica passei o dia a explorar. Nesse dia fiz mais de 300km, quase sempre em picada e devo dizer que até este momento foi dos dias mais cansativos (e que mais prazer me deu) desde que comecei a viagem.





Cenários maravilhosos e encontros incríveis


Deixar-me perder por picadas, sempre com muitas aldeias,muitas pessoas. Absorver a cultura local, comunicar com as pessoas, apreciar as montanhas...foi único.



Pastor com o chapéu e manta tradicional


Deu tempo ainda para ligar para casa


É na esperança de viver momentos como estes que viajo.

domingo, 17 de outubro de 2010

Dia 50-53: Cabo agulhas - Lesoto

Atingido o ponto mais a Sul do continente, tinha chegado a hora de rumar a Norte. Nordeste para ser exacto.
Segui pela "Route 62", conhecida como Garden Route até Oudtshoorn. Durante umas centenas de quilómetros a paisagem é de cortar a respiração. A seguir a Cape Town e ao Kruger Park a Garden Route é a maior atracção turística da África do Sul e com todo o mérito.
Acabei por apanhar alguma chuva e frio até chegar à famosa estrada mas assim que a alcancei já o asfalto estava seco e a temperatura agradável. Perfeito para umas horas de boa condução.



Chuva e frio até chegar à Garden Route


E, já na Garden Route, a rolar suavemente, ao som de boa música, cheguei ao km 60.000 com a AFRICA.



60.000km (metade dos quais feitos em África)


E haverá melhor lugar para comemorar tal feito, do que nesta estrada?!





Já junto à Costa segui para Knysna onde passei a noite. Knysna é uma pequena cidade costeira, junto a uma bela lagoa e rodeada de floresta. Combinação maravilhosa esta. Com bons restaurantes onde comer (enchi a barriga de ostras, uma vez mais) e um ambiente relaxado foi o lugar perfeito para acabar um excelente dia de condução.

Seguindo para Este, sempre junto à costa atravessei florestas cheias de vida. Por diversas vezes tive de dar prioridade aos macacos que atravessavam a estrada e acreditem, não eram pequenos...
Estava na Sunshine Coast.


Sunshine Coast, ligeiramente enevoada, mas incrível


O meu próximo destino foi Jeffrey´s Bay, conhecida apenas por J-Bay. Este lugar é "apenas" considerado como uma das melhores ondas do mundo. Os melhores surfistas vêm de todo o mundo para apanhar a direita de Supertubes. Estava prometido a alguns amigos passar por aqui e tirar umas fotos. Ainda fiquei à espera algum tempo mas naquele dia, nem para a pesca estava
bom. Nem ondas, nem peixe.
Apesar do tamanho das ondas naquela dia ser menos de 0,5m (tenho amigos que só assim entrariam no mar...) vê-se que a sua formação é especial.
Talvez um dia, noutras circustâncias, partilhe esta onda com os amigos. :)


Este era o postal que queria ver para contar aos amigos


Este foi o que vi. Também tem dias assim...


Depois da "flatada" que apanhei em J-Bay só tinha mesmo era de me pôr à estrada.



Ipod nos ouvidos e é só rodar o punho



Nesse dia, já a caminho do Lesoto atravessei várias pequenas cidades, quase todas com o mesmo aspecto.
Quase sempre, ao chegar a uma dessas cidades, começa por se ver um amontoado de casas pré-fabricadas ou mesmo de chapa. Autênticas favelas, na maioria dos casos com estradas, iluminação pública, contudo separadas do resto da cidade.
A separação é evidente. Pretos de um lado, brancos do outro. Nunca o senti tanto como aqui, neste país. É muito mais do que um problema de cor. Trata-se de uma divisão de culturas, vinte anos depois do fim oficial do Apartheid.


Uma cidade de "chapa"


Ao lado da "verdadeira" cidade


Embora o presidente Zuma seja negro nota-se que o poder económico está com os brancos. Estes são uma minoria, cerca de 12% da população da A.S., descendentes dos colonizadores ingleses, holandeses e alemães.
A discriminação racial ocorre também entre os próprios negros. Os cerca de 50 milhões de habitantes estão divididos por inúmeros grupos étnicos de tribos internas e existem muitas divergências em busca do poder.
Além da elevada taxa de desemprego e todas as tensões sociais existentes, não ajuda o facto de o país ser vizinho do Zimbabwe e alguns políticos influentes terem ideias próximas do seu presidente, Mugabe.

Nas zonas rurais, como Cradock, onde fique uma noite, nota-se ainda mais essa separação de raças. Os fazendeiros são brancos e não se misturam. Todos continuam a estarem onde é suposto estarem, separados. O mulato, tão conhecido dos portugueses, não existe por aqui.

Ninguém sabe o futuro da África do Sul. Temo que algum desses políticos, apoiado por um grande grupo de população incendiada, se torne o presidente deste país e o torne noutro Zimbabwe... Esperemos que assim não o aconteça.


Segui para o Lesoto, uma pequena pérola,uma pequena grande "ilha" no meio da África do Sul.


A caminho do Lesoto