domingo, 30 de janeiro de 2011

Pelo Norte da Tanzânia


Depois de um dia intenso de viagem, com uma boa estrada de asfalto até ao norte da Tanzânia, cheguei no final do dia a Moshi, uma pequena cidade, centro de uma das maiores  regiões de café no país.
Muitos visitantes usam esta cidade como ponto de partida para a subida ao Monte Kilimanjaro dada a sua proximidade com esta montanha.
Ao chegar procurei um sítio confortável onde pernoitar e encontrei o YMCA. Pareceu-me bem: limpo, barato, com uma enorme piscina e...com vista privilegiada para o ponto mais alto de África: Kilimanjaro.
Àquela hora o céu estava encoberto e não pude ver o pico coberto de neve da montanha. Esse espectáculo estava guardado para o dia seguinte.

O monte Kilimanjaro (Oldoinyo Oibor, que significa montanha branca em Masai, ou Kilima Njaro, montanha brilhante em kiswahili) é o ponto mais alto de África, com uma altitude de 5.891 metros no Pico Uhuru.
Este antigo vulcão, ergue-se no meio de uma planície de savana, oferecendo um espectáculo único.

E assim na manhã seguinte tive o privilégio de tomar o pequeno-almoço com os olhos postos na montanha. Confesso que não estava preparado para aquele cenário. A beleza daquela montanha, do pico coberto de neve e todo o seu enquadramento na paisagem, bem no centro de África é de uma beleza dramática.

 Vista para a "montanha branca"
 
 
Apesar da neve continuar a ser bem visível, o degelo dos glaciares no topo do Kilimanjaro é uma realidade. Em 100 anos o monte perdeu 80% da sua neve e a este ritmo irá desaparecer completamente em 2020. Ao que parece o aquecimento global não explica este fenômeno que poderá também ser causado por uma lenta retoma da actividade vulcânica do antigo vulcão.

Durante a manhã levei a Miss AN até uma das entradas do Parque Nacional do Kilimanjaro, um dos pontos de início de caminhada até ao pico. A partir dali a estrada acaba e acabou também a minha "subida" à montanha. Teria de a ver cá de baixo na aldeia de Machame, rodeado por uma densa vegetação e muitas bananeiras.

A caminho de uma das entradas do Parque Nacional Kilimanjaro (reparem na bateria presa à bicicleta que alimenta o rádio junto do guiador: T.I.A.)
 
 
 Entrada de Machame: aqui eu e a Miss fomos barrados


 A cerveja Kilimanjaro também é "doce"...
 
Rumo a Oeste, a grande montanha branca ainda me acompanhou durante algum tempo. Depois foi o Monte Meru a dominar a paisagem com os seus 4.466 metros , a segunda montanha mais alta da Tanzânia.

Passando pela cidade de Arusha continuei para Oeste, até cidade de Karatu, ponto de entrada para visitar a famosa cratera de Ngorongoro.
Estava a entrar em região predominantemente Massai, grupo étnico de grande relevância na sociedade deste pais e conhecido em todo mundo pelos seus costumes.

Entre a Tanzânia e o Quénia a população masai anda em volta das 900.000 pessoas.
Devido a sua natureza nómada são o único grupo étnico autorizado a viajar livremente pelas fronteiras entre estes dois países.

Este grupo tem uma forte reputação por serem corajosos guerreiros e pastores de grande qualidade.
No seu dia-a-dia é usual ver os pastores com as suas lanças, catanas e  com uma espécie de cajado (orinka) que nas suas mãos funciona como uma arma de arremesso, podendo ser atirados a mais  de 100 metros.
Pelo que me foi dito também usam para castrar alguns machos do seu gado (?!).
 
Pelo caminho parei numa aldeia onde um grupo de dezenas de masai vendia gado. Também um mercado de vegetais e roupa atraia os masais de outras aldeias para aquele local.
Tudo aquilo foi um espectáculo para os meus olhos. Para centenas de masais o espectáculo foi ver-me chegar montado na Miss AN.
Curiosos, muitos vieram para ver aquele estranho "mzungo" (expressão normalmente usada para os brancos nesta parte de África) com aquele grande "piki-piki" (mota).

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Na estrada para Ngorongoro, numa pequena aldeia masai
 
 
Tive alguma dificuldade em tirar fotografias pois os masais são muito fotografados pelos turistas e compreensivelmente isso causa-lhes algum desconforto.
Mas com algum cuidado e bom senso fui sempre evitando problemas com as pessoas que fugiam da objectiva. Aproveitando a curiosidade que também tinham pela minha máquina fotográfica lembrei-me de emprestar a máquina a um deles tentando lhe explicar como funcionava.
Foi uma cena caricata: enquanto um dos masais andava com a minha câmara a tirar fotografias aos amigos, outro agarrou-se à minha mão e assim, passeávamos pelas ruas da aldeia.
 
 
 
 
 
 
 
 
 Momentos passados com o povo masai no norte da Tanzânia
 
 
Mais alguma informação interessante sobre este povo:
 
A cor oficial dos masai é o vermelho e é sempre um belo espectáculo colorido ver um multidão reunida.
Os masai são uma sociedade patriarcal onde os mais velhos decidem sobre a maioria das questões para cada grupo. O estilo de vida tradicional masai concentra-se no seu gado, que constitui a sua principal fonte de alimento. A classe social é determinada pelo número de vacas pertencentes às famílias.
Os jovens Massai são iniciados na maioridade através de várias cerimónias de iniciação. A principal é a circuncisão, onde milhares de meninos, pertencentes a uma determinada faixa etária, são circuncidados na mesma época.
Os casamentos são arranjados e as mulheres podem se casar uma única vez na vida, enquanto os homens podem ter mais de uma esposa (se tiverem vacas suficientes para o dote).
Outro pormenor interessante é que todos os homens e mulheres têm as suas orelhas furadas e alargadas. Assim, os masai são facilmente reconhecidos mesmo trajando "normalmente".

Acabada a visita a esta aldeia segui para Karatu onde iria visitar Ngorongoro.

A poucos quilómetros da vila fica o portão de entrada no parque. Mais uma vez, viajar de moto impediu-me de entrar uma vez que existem milhares de animais no seu interior. Também o valor pedido (200 USD por cada viatura e 50 USD por pessoa) não ajudou à decisão de falhar a descida à cratera.
Explicando em traços gerais o que é Ngorongoro:

Pelo que dizem a cratera de Ngorongoro é dos lugares mais fascinantes da Tanzânia. A cratera faz parte do ecossistema do Serengeti que faz fronteira fica a norte.
Considerada a Arca de Noé da África Oriental, abriga quase a totalidade das espécies animais daquela região. Milhares de animais selvagens encontram-se ali e num único dia podem-se observar dezenas de espécies.

Tudo isto me foi dito pois não fui, e não foi por falta de tentar. Chegado ao portão, mandei parar carros, pedi boleia, supliquei, mas tudo em vão. Não tinha de ser. Fiquei sem ver o que alguns dizem: ser a "oitava maravilha do mundo".

No dia seguinte com a ajuda de um guia (à boleia na Miss AN) percorri umas centenas de quilometros até ao Lago Eyasi onde tive um encontro muito interessante com uma tribo local: os Hadza.

Os Hadza são um grupo étnico que vive ao longo do lago Eyasi. De número reduzido (cerca de 1000) são conhecidos como os "caçadores".

A sua linguagem principal é através de "cliques" e ao que parece podem ser parentes dos Pigmeus. Esta linguagem não se assemelha a nada que existe no mundo.

Os Hadza vivem da caça, da apanha de frutos silvestres e do mel. Não têm gado nem cultivam qualquer tipo de coisa.
Enquanto as mulheres apanham frutos silvestres e ovos frescos os homens caçam com as suas flechas. E assim passam dos dias.

Como podem imaginar estar com esta tribo foi muito interessante. Conversei um pouco com eles (com intérprete, obviamente), vi onde viviam, participei numa breve caçada e até experimentei um dos arcos. Devo dizer que até tenho um certo jeito para disparar com arco e flecha. :)

O lago Eyasi
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 O povo Hadza: onde habitam e como caçam.
 
 
Uma vez mais a Miss AN teve bastante sucesso com os locais e estes Hadza adoraram-na.

 
 
 
 
 
 Eu, Miss AN e o povo Hadza
 
 

Regresso a Karatu
 
Uns dias depois segui para o Quénia com medo do que me poderia acontecer na fronteira. Durante umas semanas todos me disseram que seria impossível entrar neste país sem Carnet (documento da mota que não tenho).
Enganaram-se. Em menos de 30 minutos de papelada estava no Quénia em direcção a Nairobi onde passaria o  Natal e onde entraria neste novo ano.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Para além da curva da estrada


"Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para o outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma."

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)


Prefiro "viajar" assim. Sem pensar muito no que me espera "depois da curva".

Acredito que boas coisas me esperam.

Zanzibar: sua gente e fantasmas










quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Zanzibar (2/2)

 
Para os amantes de praia, os adeptos do "dolce fare niente", o norte de Zanzibar é perfeito.

As agências de viagem vendem facilmente Zanzibar com o postal de uma destas praias e os turistas vêm. E vêm aos pacotes de italianos, ingleses e americanos prontos para molharem os pezinhos nestas águas. E não saem enganados.
A praia é simplesmente fabulosa aqui. Água morna, azul turquesa, areia branca a convidar a uma sesta. Apenas os "beach-boys" estragam o cenário incomodando tudo e todos com a sua conversa de sempre. Mas pelos vistos há quem compre e ainda mais surpreendente quem goste e mesmo procure o "serviço personalizado" destes rapazes. Pois é, assim como a Tailândia está para os homens à procura de prazer, assim está Zanzibar no que respeita a mulheres procurando o serviço destes miúdos.
 
 

 A praia
Cheguei a Nungwi vindo de Stone Town e cheguei da melhor maneira: de duas rodas. Aluguei uma Honda 450 e com o saco preso atrás fui explorar a região norte e passar uns dias com os pés de molho nas águas cálidas daquele mar.
Apesar da chuva que apanhei, fazendo-me parar onde podia, cheguei inteiro mas com o rabo dorido depois  de apenas cento e poucos quilómetros. Que saudades tinha eu da minha AFRICA estacionada sozinha e triste num canto em Dar es Salaam.
Abrigado da chuva numa barraca que vendia bananas


Pouco mais há a relatar daqueles dias que me souberam muito bem: grandes praias, boas estradas, gente simpática mas demasiado habituada ao turista e ao USD...
Mais uma vez procurei o barato, não sendo fácil pois tudo está voltado para o turismo médio/alto a preços por vezes inacreditáveis.
Por meia dúzia de euros fiquei em quartos em cima da areia e passava os dias misturado com os "italianos" nas suas "belle spiagge".

Assim se passaram os dias passando horas a olhar para o mar, andar pelo areal, conversar com os locais, comer e beber.
Pois, viajar por África nem é assim tão cansativo. :)








Praias do norte de Zanzibar

Cansado daquela vida de turista (tinha muitas saudades da AFRICA também), voltei para Dar es Salaam desta vez com o rabo confortável num dos barcos rápidos.
Custou-me deixar Zanzibar mas tive uma sensação agradável quando voltava para o continente, que alguns exploradores devem ter tido séculos passados, de estar a chegar a África, ao continente inexplorado e com tanto para oferecer.

De seguida iria rumar a norte a caminho do Kilimanjaro, a montanha mais alta do Continente.

Que pena já não ser este um Continente inexplorado, o desconhecido e temido continente negro. Que pena...