sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tanzânia, rumo a Norte: de Lindi a Dar Es Salaam


Passada a noite em Lindi, uma pequena cidade costeira com fortes influências árabes e indianas, continuei para Norte até Kilwa Masoko. Masoko é uma tranquila vila na costa do Índico, ponto de acesso à ilha, Kilwa Kisiwani, noutros tempos o mais importante local de troca na costa Este africana.

A partir daqui tornou-se mais evidente que estava em terra suaíli. Os suaílis são uma etnia, muçulmana, que se encontra principalmente nas regiões costeiras da Tanzânia e Quénia, bem como no norte de Moçambique.

Depois de alguns dias na estrada soube-me bem encostar a montada à sombra e gozar o sol e as belas praias do Índico. Afinal não é só em Moçambique que existem boas praias. Aqui também as praias são de areia branca com o mar morno.
Assim, montei a rede e descansei.
 


 Por fim o descanso merecido em Kilwa Masoko
Na vila não havia luz e a partir do final da tarde, quando o sol se punha, era uma aventura  atravessar a vila à procura de sítio para jantar. Aí descobri o prazer da comida local: pilau. Pilau com tudo. Com peixe frito, galinha, banana, etc. Todos o comem por aqui.
(no momento em que escrevo estou em Lamu, na costa queniana, a norte de Mombassa, e as minhas refeições passem quase sempre por...adivinhem...pilau).
Tentando explicar em linhas gerais o que é isto do pilau posso dizer que é um tipo de arroz muito temperado com pedaços de carne de cabra (neste caso). Delicioso!

Adiante; dois dias de praia e decidi ir explorar Kilwa Kisiwani, conhecida simplesmente por Kilwa.
Há 500 anos atrás, como o maior centro de comércio em toda a costa Este africana, este era o local dos grandes sultões e o centro da rentável rede de troca de ouro e ferro do Zimbábue, escravos e marfim de toda a África Oriental, por tecidos, porcelana, jóias e especiarias da Ásia.
Hoje as ruínas dos edifícos swalis  são consideradas as mais significativas da Costa Este de África, tendo sido declaradas património mundial pela UNESCO.

De dhow segui até à histórica ilha, onde com um guia explorei ao máximo as ruínas deixadas por diversos povos ao longo da sua história.



Travessia para Kilwa Kisiwani

Em 1331 o mundo ocidental ficou a conhecer esta ilha tendo sido admirada a "beleza da grande cidade, com edifícios construídos de pedra de coral, normalmente com um único piso e pequenos compartimentos separados por maciças paredes e com telhados formados de placas da mesma pedra, suportados pelas paredes e por estacas de mangal".
Com "estruturas formidáveis de vários pisos e algumas belamente ornamentadas com pedra esculpida nas entradas, tapeçarias e nichos cobrindo as paredes e o chão com carpetes... Claro que estas eram as casas dos ricos, porque os pobres viviam em casas de palha, vestiam-se apenas com um pano sobre as ancas e comiam apenas papas de milho..."

Como local muito importante na costa africana também aqui os portugueses fizeram história.
Em 1500, a caminho da Índia, Pedro Álvares Cabral visitou Kilwa e referiu-se às belas casas de coral e seus terraços, pertencentes a "mouros negros".
No início do século XVI, Vasco da Gama tomou a ilha tornando-a tributária de Portugal. Como o sultão recusou pagar o seu tributo as forças de D.Francisco de Almeida, primeiro Vice-rei do Estado Português da Índia, conquistou a ilha e iniciou-se imediatamente a construção da primeira fortificação portuguesa de pedra e cal na África Oriental. O Forte tinha como função principal proporcionar abrigo dos viajantes na rota para as Índias e também para defesa contra eventuais inimigos.


Ruínas do antigo forte

Porém, poucos anos depois o forte foi abandonado e arrasado uma vez que a sua manutenção era dispendiosa tendo a Coroa Portuguesa se concentrado  em Moçambique.

Nessa altura a ilha foi ocupada por uma força árabe e voltou a ser uma cidade-estado swahili até finais do século XVII, quando se tornou num protectorado de Oman, perdendo grande parte do seu poderio. Em 1843, a cidade vizinha de Kilwa Kivinje, a cerca de 20 km a norte, na costa, passou a ser utilizada como porto e Kilwa Kisiwani foi abandonada, tendo os seus edifícios tornado-se ruínas.






Ruínas e pormenores da ex-grandiosa ilha

Apesar de pequenas, diversas aldeias continuam a existir na ilha. Se os grandes e importantes edificos já se encontram em ruínas, muito pouca coisa parece ter-se alterado sobre a maneira de viver da população pobre (a única que ficou):  a água continua a ser tirada dos poços, a ilha continua a não ter energia eléctrica, as casas mantêm-se de adobe, os homens saem para a pesca nos tradicionais dhows, as mulheres cuidam das crianças, da casa e da pequena horta.
A cassata (doce típico de açúcar e sementes de Sésamo) continua a ser feita da maneira tradicional. E que bom é este doce...
O modo de vida destas pessoas continua como era desde à muito tempo.


A deliciosa cassata



Olhares curiosos


O orgulhoso habitante que tem um painel solar no telhado para "carregar o telemóvel"


O valioso poço de água fresca


O regresso à costa


De volta à costa, Sábado,  visitei a feira local. Os Sáris coloridos das mulheres marcavam a paisagem , esvoaçando pelas ruas na cidade. As crianças, sempre as crianças, corriam atrás de mim para mais uma "foto please".



Mercado de Masoko

Domingo bem cedo arrumei toda a bagagem, apertei-a bem na mota, vesti o fato completo, tomei o pequeno almoço, paguei a estadia, agradeci, montei-me na mota e ... nada. A bateria estava morta. Tinha estado no dia antes a carregar o computador usando a entrada para o efeito na mota e agora nada de conseguir o arranque para seguir para Dar Es Salaam.

"Sem maca."
 
Quatro horas depois andava pelas ruas atrás de um gerador (sim, toda a cidade não tinha energia), de bateria na mão, para tentar partir nesse mesmo dia. Achado o gerador, depois de negociar o preço para me carregar a bateria, por lá fiquei mais duas horas até carregar o suficiente para o arranque.

Pouco depois, de bateria montada e tudo ok parti para Norte rumo a Dar Es Salaam. Era meio da tarde e sabia que iria chegar ao meu destino já no final do dia. Não sabia, porém que me esperava um troço de quase 70 quilómetros de estrada de areia.
Depois de cair umas quantas vezes (podiam ter sido mais...), entortar o pedal do travão, empenar (um pouco mais) uma das malas e rasgar (um pouco mais) o blusão cheguei à capital económica da Tanzânia: Dar Es Salaam.

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