sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Benim


Oito vezes mais pequeno que o seu vizinho a leste, o Benim é um país especial que me tocou pelo seu passado rico em história, onde aí os portugueses ocupam um lugar de destaque.
Despertou-me também grande curiosidade a sua religião oficial, o vodu, que é praticada por mais de metade da população e o grandioso mercado de Dantokpa, no centro da cidade de Cotonou.

Vindo da Nigéria pouca coisa mudou. Os coloridos panos usados pelas mulheres e adaptados também para a roupa masculina continuaram a marcar a paisagem nas cidades, as tradicionais cicatrizes profundas nas caras de quase todos e até os camiões desgovernados que, infelizmente neste país, também estão por todo o lado.

Cheguei ao Benim por uma fronteira secundária a cerca de duzentos quilómetros de Lagos, depois de sair da burocrática Nigéria e procurei logo o posto de migração para tratar da papelada.

Em cada fronteira abre-se uma nova "caixinha de surpresas" e desta vez a que me saiu foi agradável.
Depois de carimbado o meu passaporte, contendo o visto previamente tirado na embaixada do país em Abuja, perguntei que documentos precisaria de apresentar para a habitual papelada da importação temporária da mota.

- "C'est bien, pas de problème", disse-me o único oficial de serviço desse dia, mandando-me avançar, sem me pedir qualquer documento da mota.

Nada podia ser mais fácil. Fiz os cerca de duzentos quilómetros até Cotonou por uma estrada alcatroada onde apenas os camiões  me fizeram sair do sério, estendendo o dedo do meio a vários enquanto gritava asneiras em português, tal era a velocidade e a curta distância a que passavam por mim, empurrando-me muitas das vezes para fora da estrada.

Porto-Novo é a capital do país mas Cotonou é a cidade mais povoada, sede do governo e capital financeira do país.
Por lá fiquei uns dias e tive oportunidade de conhecer um dos maiores mercados desta região de África, o Grand Marché du Dantokpa.
Sempre gostei de me perder em mercados deste tipo, sentir a harmoniosa confusão destes locais que são o coração destas cidades. E assim perdido andei durante toda uma tarde, no colorido mercado onde tudo se vende, desde sandálias de plástico, a jóias de ouro, animais vivos, animais cozinhados, legumes, rádios, pneus, filmes DVD, música em cd´s pirata, testículos de macaco e asas de morcego para práticas de vodou, etc.


Vista sobre a cidade de Cotonou

























Grand Marché du Dantokpa, em Cotonou


Encontrar um espaço de qualidade dedicado à arte africana tem sido difícil de encontrar nos países por onde tenho passado mas ultimamente tenho sido surpreendido, especialmente nas ex-colónias francesas, pela qualidade de alguns desses locais e no seu trabalho de promoção de artistas africanos e sua arte.
Uma grande surpresa foi a Fundação Zisou, um espaço incrível no centro da cidade de Cotonou onde tive a oportunidade de visitar a mais recente exposição MANIFESTE, com obras de vários artistas africanos.





Exposição MANIFESTE, patente na Fundação Zinsou em Cotonou


Cotonou significa "foz do rio da morte" em língua Fon, uma referência ao Reino de Daomé.
O território onde está hoje o Benim era ocupado no período pré-colonial por pequenas monarquias tribais que enriqueceram e prosperaram vendendo escravos aos europeus, principalmente aos portugueses.
A partir do século XVII os portugueses estabeleceram centenas de entrepostos ao longo desta região, ficando esta zona marítima conhecida como a Costa dos Escravos.
Os negros capturados pelas tribos eram trocados por armas, especiarias e outros materiais que os portugueses traziam de outras regiões e enviados para o Brasil, Cuba, Haiti, etc.
Parte da cultura africana foi assim enviada para terras brasileiras e outros territórios: deste modo não é de estranhar tantas semelhanças entre brasileiros, cubanos e outros em relação aos africanos; cultura e religião foram exportados para o Brasil,  sendo a religião vodou um bom exemplo.

No século XIX, a França em campanha para abolir o comércio de escravos entra em guerra com os reinos locais e no final desse século o território torna-se protectorado francês, com o nome Daomé.
 

Vista do grande mercado para a cidade de Cotonou


Descanso de um "zemi-john" (moto-boy local) numa das ruas da cidade


O país conseguiu a independência da França em 1960 (tal como muitos outros países africanos nessa década), sob a denominação de Daomé ("Dahomey") e tal como os outros, mergulhou em instabilidade política, com seis sucessivos golpes militares nos anos seguintes.
Felizmente, nos dias de hoje, o Benim é considerado como um modelo de estabilidade em África, mas a sua "democracia" é ainda algo recente.
 
Os dias seguintes naquele país foram passados em Ouidah, a menos de duas horas de distância de Cotonou.
Esta pequena vila é um dos poucos destinos turísticos do país dado o seu valioso passado histórico e por ser a capital da religião vodou no Benim.

Os portugueses chegaram a este local em 1580 ao qual chamaram de Ajuda e construíram o forte São João Baptista da Ajuda anos depois para protegerem os seus interesses do próspero negócio de escravos.
Hoje um museu, o forte só foi abandonado pelos portugueses (pasme-se) no final de Julho de 1961.
 
Foi em Ouidah de onde saiu a maior parte dos escravos que chegou ao portos de Salvador da Bahia, no Brasil, e a estrada que liga a vila até à praia foi o último caminho que milhares fizeram até entrarem nos barcos que os levaram até outro continente. 

Alguns dos pormenores em Ouidah:





O actual museu de história de Ouidah, antigo forte português:










As ruas da vila:








A chamada  "Rota dos escravos" (os últimos quatro quilómetros de milhares de pessoas até à praia onde eram enviados rumo ao Brasil). Recentemente  foi construído no final  desta estrada o memorial intitulado  "Ponto de não-retorno . "
Ao longo da estrada podem ver-se as figuras associadas à religião Vodou.
 











Arquitectura fantástica na vila e gente local

















Ao fim de dois dias de voltas e visitas por Ouidah rumei ao Togo.

3 comentários:

  1. O "zemi-john" pode dar-te uma ideia para os locais onde a dormida é difícil pá! ;)

    As figuras vodu na estrada metem medo, irra...

    Agora será África "moderada" até Mauritânia, hã?

    Abraço...ando atento às tuas rotas...

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  2. Força aí Gonçalo.
    Trabalhei 2 anos no Benin e conheço bem essa realidade.
    Dentro do forte ainda está o Citroen "boca de sapo" queimado?
    Abraço

    Pedro
    www.luandamaputobybicycle.blogspot.com

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