quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dia 30- 35: Windhoek a Ludertiz

Isto não é África, pensei quando entrei na Namíbia. A partir do momento que entrei neste país, o segundo mais novo de África, muito mudou. Os buracos deixaram de existir nas estradas de asfalto, postos de abastecimento e hóteis podem ver-se fora das grandes cidades, tudo é mais... organizado.
Por outro lado, em relação a Angola, faltam as aldeias de beira de estrada, faltam as pessoas a vender tudo e em todo o lado e, mais importante, sinto falta de alegria neste povo, falta aquele gingar do angolano que, suspeito, os destingue de todos os outros.
Mas, enfim, acabei de chegar à Namíbia e ainda tenho muito para ver...

Até Windhoek a viagem foi tranquila. Já tinha saudades de uma boa estrada e apenas os burros a pastar à beira da estrada me fizeram, de vez em quando, tirar a mão do punho do acelerador. Ainda assim, no momento em que coloquei o IPOD a funcionar os 730 quilómetros que me separavam da capital passaram rápido. A meio da tarde já estava na centro da cidade.

A sensação que tive quando estava na avenida principal de Windhoek, capital da Namíbia, foi que estava ainda nos arredores, numa zona comercial, de uma pequena cidade de um país europeu. Tudo organizado, limpo e ordeiro. Tudo parecia estar em ordem. Não, isto não é mesmo aquilo a que estou habituado vindo de Angola.
Acabei por encontrar um quarto disponível numa casa com pensaão B&B (cama e pequeno-almoço), com um serviço impecável, sossegado e muito agradável. Por cerca de 50 Euros (caro para os padrões locais) arranjei um espaço confortável para passar a noite. Quando estava à beira da piscina com internet wireless a actualizar o blog lembrei-me que o mesmo valor tinha pago no camping no Lubango poucos dias antes.

O meu principal interesse em Windhoek era o de fazer um check-up à mota. Depois de mudar os pneus, ajustar a suspensão (que parecia um ió-ió estragado) e uma limpeza geral, a mota ficou nova. Esta (ainda sem nome) envelhece tão bem que não a trocava por nenhuma das GS´s que vou vendo passar. Esta pertence à família.

Pouco mais fiz em Windhoek. Dei descanso à mota, passei pela cidade, comi bem e fiz as compras que precisava. Na cidade começei logo a notar a influência alemã que (ainda) existe por todo o país. A maioria das turísticas lojas na avenida principal tinham um alemão por detrás do balcão, ouvia-se alemão em todo o lado e muitos dos turístas que se viam adivinhe-se: eram alemães. Grupos turistas da 3ª idade passeam em Windhoek vindos ou indo para um safari, ver as dunas, o canyon ou as tribos Himbas do Norte.

Desde o século IX, quando colonizou esta parte de África, até 1919, a Alemanha perdeu o seu controlo para a África do Sul. Foi atribuído pelas Nações Unidas à África do Sul a administração deste espaço mas, uma vez que era intenção da AS anexar esta terra como mais uma das suas províncias, foi decidido em 1956 o cancelamento desse acordo. Uma vez rejeitada essa anulação pela AS deu-se uma luta armada (tendo Angola apoiado a força independentista - SWAPO) e em 1989 a Namíbia foi considerada uma nação independente, a segunda mais nova do Mundo, a seguir à Eritreia.
Deste modo, grande parte da arquitectura que se vê nas cidades é de influência alemã, o que torna o ambiente especial tendo em conta a sua localização geográfica no continente africano.

Tudo OK, segui para Swakopmund (swakop), dita actual capital da diversão e aventura da Namíbia.



Rota programada para seguir no sul da Namibia


Para mim pouco mais foi que um ponto de passagem. Camiões, carrinhas e jeeps chegam dos safaris, das dunas e das aldeias Himbas da região Noroeste do país carregados de turistas. Em Swakop têm a oportunidade de fazerem exactamente o que fazem em casa: sair à noite, dançar na discoteca os sons que ouvem em casa, gastar uns doláres em whisky e experimentar uma das dezenas de actividades (ditas radicais) que existem para fazer: desde andar de mota 4 nas dunas a fazer skydiving.



Ruas de Swakopmund


Em Swakop o deserto começou para mim. Em Angola, no Namibe, já tinha tido a experiência mas em Swakop o choque foi outro e desta sabia que tinha vindo para ficar. Em primeiro lugar as temperaturas são extremas; tanto pode fazer um calor imenso como um frio de rachar. O vento é inconstante; tanto pode estar um dia calmo, sem uma aragem, como de repente começa a soprar um vendaval. Por diversas vezes tive de conduzir a mota completamente inclinado para um dos lados para o vento não me atirar ao chão. Com o vento vem sempre areia; não basta toda a poeira levantada pelos carros que passam (felizmente poucos), também a areia e poeira levantada pelo vento deixam-me completamente coberto no final do dia.


Muita areia na estrada e pelo ar

De saída de Swakop passei por Walvis Bay, e segui para Sul até Sossusvlei. A partir de Walvis Bay o asfalto acabou e as estradas de gravilha tomaram conta do terreno. Esta região do país é simplesmente linda, com planícies a perder de vista. Isto sim é a África que aparece nos livros, que quero conhecer. Estradas com muito pouco movimento, com rectas intermináveis, atravessando regiões montanhosas, desfiladeiros, rios secos e cidades paradas no tempo. A cada passagem por algum carro um sinal de cumprimento, a cada chegada a uma cidade o ritual de abastecer de gasolina, falar um pouco e seguir. Centenas de impalas pastam à beira da estrada, famílias de macacos procuram comida e param quando ouvem o barulho da mota ao longe, avestruzes olham-me muito atentas.
Apesar de bonita a estrada é muito perigosa: a gravilha torna-a escorregadia, a areia aparece de vez em quando e só atrapalha e as pedras vão desgastando e estão sempre a ameaçar fazer os pneus em tiras.


Estradas lindas mas perigosas


A atravessar o T. Capricornio*


* http://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%B3pico_de_Capric%C3%B3rnio


Nesse dia fiz mais de 400km e cheguei a Sossusvlei no final do dia onde montei a tenda num parque junto ao portão principal do parque natural. Foi-me dito que as motas estavam proibidas de entrar no parque porque, ao que parece, outros teriam andado fora do asfalto, pelas dunas, e foi decidido a proibição. Teria então de conseguir um guia que me levasse antes do amanhecer até à zona das grandes dunas, 40 km para dentro do parque.
Facilmente consegui um carro para as seis da manhã do dia seguinte. Entretanto montei a rede, a tenda, vi o sol pôr-se por detrás das montanhas, bebi uma garrafa de vinho e adormeci.


Finalmente, o descanso


Dormir sob as estrelas


No dia seguinte nem queria acreditar no frio que estava. Ainda noite bem escura fui até ao portão do parque onde me esperava o guia, um rapaz namibiano bem comunicativo. Felizmente era o único ocupante de um Land Rover e iria só com o guia visitar o parque. Passados poucos minutos o facto de carro não ter capota fez com que o frio se torna-se muito desconfortável. Começamos por conversar muito, rir e dizer piadas mas 5 minutos depois de termos arrancado parámos os dois de conversar, esperando a chegado do sol. O vento era muito e havia uma neblina que vinha do mar e que arrefecia ainda mais o ambiente.


Frio do deserto


Entretanto, enquanto as maiores dunas estavam a ser escaladas por alguns turistas (a maior duna tem mais de 300 metros de altura) prontos para apanhar o momento do nascer do dia, nós iamos para o Dead Vlei, uma zona com dezenas de árvores, algumas com mais de 800 anos de idade, mortas, mas ainda de pe. Um cenário que apesar de ser visto em muitas revistas, etc. é fantástico ao vivo.



Experiencia unica em Death Vlei


De seguida andámos pela zona das dunas, observando uma série de animais e apreciando a atracção mais conhecida da Namíbia.




Inacreditavel a beleza deste lugar


Apesar de ser o sitío mais visitado do país não se nota uma enchente de pessoas. O mesmo se aplica aos outros sítios, que apesar de serem muito turísticos, nunca se sente que se está numa zona turística. Eu aprecio muito esta característica da Namíbia.
O resto da tarde foi de descanso pois no dia seguinte teria de fazer quase 600 km até Luderitz, sendo que a maior parte dele por estradas de gravilhas.

Cedo acordei e fiz me à estrada. Quatro horas depois, quando já tinha feito 200km bati com o pneu da frente numa pedra e furei imediatamente. Ok, calma, pensei. Desliguei o IPOD, tirei as luvas e o capacete e examinei o pneu. Até tinha medo de olhar. O sítio completamente desolado onde estava, o vento mais forte que o normal a levantar toda a poeira do chão e o facto de este ser o meu primeiro teste "mecânico" deixou-me nervoso. Vi o rasgão no pneu, fui à mala das ferramentas, tirei o kit de remendos e dei início ao processo. Tiro o taco, abro o tubo de cola especial e nada... o tubo estava vazio..."Tony, meu cabr$o, aldrabaste-me. Tinhas de me dar logo material que tinhas praí há uns bons anos...E agora o que faço?!".Ok, tenho mais cola na mala, cola tipo PATEX, aquela merda cola tudo, vai ter de servir. Coloquei mãos há obra(enchi também as mãos de cola), tirei a cola Patex(que já tinha sido esmagada no saco, abrindo-se e enchendo o interior desse saco com cola...) e tentei colocar os tacos. Enchi o pneu com o compressor e....pssssssssss. Nada, não está bom. O furo é demasiado grande. Vou tentar com os outros 2 tacos que me restam....Nada.Acabaram os tacos.



Segundos depois de tirar estas 2 fotos furei... e fiquei por ali a "apreciar a paisagem"


Ok, ainda tenho as câmeras de ar... Ainda bem que as trouxe. Nisto tinha passado 1 hora desde que parei. Tinha o fato coberto de poeira, os lábios gretados (até ter ido buscar o baton hidratante.:)) mas estava descansado porque tinha comida, água e material de campismo.
Tirei a roda da frente (ainda bem que não foi a detrás, senão tinha de tirar toda a bagagem) e percebi que não tinha a chave necessária para tirar a válvula do pipo da roda e por a câmera dentro do pneu.
Tentei o alicate, outras chaves, nada. Mais uma hora se passou.

Entretanto passa um carro que me perguntou se precisava de ajuda. Eram duas senhoras, de meia idade, pareciam sul africanas, talvez americanas. Perguntei se tinham uma chave de válvula para o pneu. Mostraram-me a ferramenta do carro de aluguer que consistia num estojo igual ao que vem no meu WW pólo de Portugal. "Well,we have extra tyres, so...we dont need that thing...", responderam elas. Pois, qual é o carro que precisa de uma chave de válvulas, tendo 2 pneus extra?! Bem vistas as coisas eu há bem pouco tempo atrás nem não sabia o que isso era.

Perguntaram-me se precisava de ajuda, se queria que chamassem alguém. Disse que não, que tinha água, comida e material para dormir ali (eram 3 horas da tarde). Olharam uma para a outra e fizeram uma cara tipo a pensar: "donde é que apareceu este personagem?!". Partiram, desejando-me muita sorte.

Passado um tempo apareceram 3 motas (todas Gs´s) ao longe. "Estou safo!", pensei eu. Eram 3 Sul-Africanos que tinham alugado motas e que iam para norte. Viram no estojo de ferramentas das 3 motas e nada. A empresa que lhes alugou a mota nem lhes deu material nenhum e aquelas aves raras (mais que eu) andavam a viajar sem qq ferramenta e ainda mais com pneus de estrada...
E não é que passado uma meia hora vejo uma luz ao fundo da estrada, só podendo ser de uma mota, e penso: "eu e a minha estrelinha que me acompanha..." Era outro sul africano que, desta vez, até tinha umas ferramentas. Deu-me uma lata de espuma para tentar ajudar a fazer os 40km´s que me separavam da localidade mais próxima, Batta.
Foi o suficiente para chegar, mesmo fazendo grande parte do caminho com o pneu em baixo, e para arranjar a tal chave e arranjar o pneu. Terminei às 7 da tarde, mesmo à hora para entrar no parte de campismo da localidade de Batta (já com uma chave de válvulas comigo).
Tomei banho e comi umas salchichas alemãs com arroz que me souberam...muitooo bem e dormi.

No dia seguinte tinha de fazer mais de 200km em gravilha com pedras e tentei poupar o pneu ao máximo. Não passei dos 60km/h, tentei evitar todas as pedras maiores e fui muito atento. No caminho passei pelo castelo de Duwisib, que fica no meio do nada e esse facto bizarro por si só vale a visita.



Passagem pelo castelo de Duwisib


Passei por cenários dos mais bonitos que vi, através de planícies montanhosas, pradarias com cavalos selvagens, lugares inacreditáveis, com rectas de dezenas de quilómetros até chegar a Aus, onde começa o asfalto.
A partir daí outra paisagem de cortar a respiração. A 100km de Luderitz, cidade junto ao mar, começa o deserto e a área proibida onde não se pode sair da estrada sob o risco de se encontar um diamante (e levar um tiro).


Estrada para Aus

Cheguei a Luderitz sem problemas. Estava um dia quente, sem vento, perfeito, muito pouco habitual nesta cidade enfiada entre o deserto e o mar.

Vou descansar e aproveitar a costa. Só voltarei a ver o mar, a sul, na Cidade do Cabo.

3 comentários:

  1. A caminho de Lucira ou de Luderitz... q importa?! sobreviver a pneus furados nas condições mais inóspidas é contigo... desde que mantenhas a calma e não aches que vais morrer de frio ou "ser comido por bichos selvagens que aqui há bué" :)
    valha-te essa tua boa estrela protectora q sempre te acompanha e q nunca te deixa ficar mal.
    cuida bem da nameless. N te esqueças q existirá 1 proximo dono a quem terás de contar como a trouxesses de regresso a pt.

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  2. Uau Gonçalo, que inveja, faria a mesma viagem, apenas trocaria o meio de transporte.
    Estou ansiosa pelas próximas actualização no blog!!!
    Beijos e boa caminhada!
    Angélica

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  3. Gonçalo, I'm speachless...
    Texto e fotos brutais!!!

    Aquele Abraço
    "Branquela"

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