quarta-feira, 13 de julho de 2011

Os Camarões (1ª Parte)


Continuando a boa estrada asfaltada vindo de sul, cheguei rapidamente a Yaoundé, capital dos Camarões.

Foram os portugueses a baptizar este país no século XV, dando-lhe este nome pela abundância de camarões nas águas desta região.
Aqui está um bom exemplo de um país africano inventado pelos europeus. Sem ter sido tomado em conta as diferentes etnias que aqui existem, as várias regiões que fazem parte do actual território foram repartidas por diferentes países e em 1961 foram finalmente definidas as fronteiras.

Depois de portugueses, holandeses e britânicos explorarem este território, foram os alemães, assinando um tratado com os chefes tribais em Douala, a colonizar estas férteis terras.
Só depois da derrota dos alemães na Primeira Grande Guerra  é que o protectorado dos Kamerun foi entregue e dividido entre ingleses e franceses.
Contudo, seguindo o momento de revoltas das colónias europeias em África, os Camarões tornou-se independente em 1960.

Yaoundé é uma cidade africana igual a tantas outras pela sua caótica confusão, com táxis desgovernados a dominarem o tráfego naquela cidade, vendedores a encherem as ruas com produtos chineses, vendedores de frutas, telemóveis, etc.
Apesar de ser uma capital agitada torna-se agradável por lá permanecer alguns dias pois está situada a uma altitude de quase 1000 metros, tornando-a fresca, e pelas suas verdejantes colinas.
Neste aspecto, mesmo com a poluição característica de uma capital africana o ar torna-se mais agradável que por exemplo, Douala, a segunda capital do país.
Yaoundé é um bom sítio para passar uns dias a recuperar da estrada, arranjar vistos e recarregar baterias para continuar viagem.
Uma vez que tinha estado uma semana em Libreville a resolver o problema da Miss, estava fresco e cheio de vontade para continuar. O visto da Nigéria tinha sido já obtido em Angola e tinha pouco o que ali fazer.

Ao chegar à cidade, depois de algumas voltas à procura de um local onde ficar encontrei quase por acaso uma igreja com um grande relvado onde é habitual ficarem os viajantes que passam  na região.
Gostei muito de reencontrar um casal de holandeses com quem tinha estado na fronteira entre Angola e RDC e acabei por ficar dois dias, aproveitando a companhia e "o café quentinho".
Viajar de carro tem destes mimos.


Vista da cidade de Yaoundé de uma das colinas



Igreja onde dei um pouco de descanso à Miss


Mais um "cromo na caderneta"


Impressionante o gosto por futebol nos Camarões


No mesmo local onde acampei conheci mais viajantes: dois holandeses que viajam num WW Combo há já alguns meses e que tencionam chegar à África do Sul e voltar pela costa Este, um outro holandês que viaja de bicicleta (??!!) desde Amesterdão e que conta regressar montado a casa e ainda um neozelandês que viaja há já dois anos por África de "transportes públicos".

As pessoas que se encontram a viajar por esta região de África são algo diferente daqueles que se vêem na costa Este. Geralmente são viajantes mais bem preparados (isso não significa que têm o veículo com mais gadgets, antes pelo contrário), com mais tempo para viajar e mentalmente mais aptos para encarar os percalços e obstáculos, que nesta região, são o "prato-do-dia".
Aqui, as estradas são piores, as fronteiras mais complicadas (os vistos mais difíceis de obter e mais caros), os países com muito menos infraestruturas tais como locais para dormir, comer ou fazer reparações mecânicas.
Além do mais esta é uma região instável e onde tudo muda rapidamente: por exemplo, neste momento, o meu amigo Margus (aquele casal de estónios que viaja numa GS1100 e que conheci em Nairobi), desistiu de entrar na RDC vindo de Angola, pois está há 11 dias na fronteira sem o conseguir. Mesmo tendo o visto na mão não o deixam entrar no país; outro exemplo é a Nigéria onde existem regiões com muitos problemas (para ser curto e directo), desde recolheres-obrigatórios até proibição de circulação de mota; outro exemplo é o Burkina Faso que está neste momento com graves conflitos entre a força militar e o governo; outro é o caso das embaixadas do Gana que de um momento para o outro deixaram de atribuir vistos a não residentes nos países respectivo; e Marrocos e a Mauritânia... podia estar aqui a falar de tantos outros.

Tudo aqui parece um caldeirão a borbulhar pronto para rebentar e, contudo a rota de quem aqui viaja tem de ser pensada, adaptada e readaptada várias vezes tentando evitar algumas situações.
Deste modo espero que agora entendam como é difícil para mim prever uma data de chegada a Portugal.
Assim, nem todos têm o tempo, dinheiro e simplesmente vontade suficiente para estes sacrifícios, riscos e ameaças.
Naturalmente, vejo muitos mais viajantes noutras regiões de África do que aqui.
Contudo gosto dos que vou conhecendo e acabamos por nos sentir mais próximos uns dos outros.




Uns holandeses porreiros na sua WW


Depois de passar o dia a passear pela cidade decidi no rumar a Douala, trezentos quilómetros a oeste.
Yaoundé pode ser a capital do país mas é em Douala que está a força económico e cultural. Mesmo sem grandes monumentos e interesse, esta é a cidade onde se quer estar nas noites do fim-de-semana.
E como dizem os camaroneses: "Yaonde dorme enquanto Douala se agita".

Cheguei a Douala num sábado e  uma vez que queria conhecer a noite dos Camarões, não havia local melhor para onde estar.
Depois de procurei um hotel barato onde pernoitar, arrumei a Miss no parque e parti para a noite.
Depois de jantar perguntei onde poderia ouvir música ao vivo e todos me apontaram para o mesmo espaço: SENAT, um pequeno espaço que abre todas as noites e onde toca uma banda muito boa.

Depois de uma cervejas fui até uma discoteca próxima.
Muita  coisa se passa à noite e em minha opinião, um dos locais onde melhor se pode sentir um país é, durante a noite, nos locais mais frequentados da cidade.
As discotecas locais, como os mercados durante o dia, sempre me fascinaram nos países onde viajei e é aí onde procuro "sentir o pulso" da cidade.
Enquanto era o único que bebia o meu whisky servido a copo no bar (todos os outros bebiam da garrafa "black-label" ou champanhe em cima da mesa), entraram dois senhores de meia idade. Sem grandes demoras sentaram-se do meu lado e logo o empregado se aproximou-se com uma garrafa de champanhe Moet-Chandon mergulhada em gelo num balde.
Depois da recusa dos senhores, passado poucos minutos o mesmo empregado aparecia com uma de "Veuve Clicquot", que devia custar vários ordenados médios aqui nos Camarões.
A questão é que apesar de não me parecer aquela uma discoteca especial, nem sequer pretensiosa, todos ali bebiam bom whisky e champanhe como se bebe gin-tónico em Portugal.

África tem destas coisas: o contraste de quem tem tudo e quem nada tem.
Interessante de observar é a vontade da parte de quem tem (muitas vezes tem só o suficiente para durante aquela noite puder parecer igual aos que tudo têm) de fazer-se notar, dar nas vistas.
O telemóvel, o relógio, o carro, o champanhe, o status é aqui fortemente valorizado.
Nos países africanos, onde a educação é baixa, a corrupção alta e o nível de vida da população em geral é bastante pobre, este tipo de valores está bem marcado, sobretudo na juventude.

Eu penso que o exemplo da bicicleta pode explicar, socialmente, algumas coisas. Em minha opinião (sem saber se existe algum estudo sobre o assunto) é algo estranho o facto de não se verem muitas bicicletas em alguns dos países africanos. Se virmos bem, a bicicleta é barata, fácil de obter (os chineses dão sempre uma ajuda), sem grandes problemas de manutenção, sem consumo de combustível (que é muito caro para padrões locais na maioria dos países, acima de 1 USD/litro).
Deste modo, nos países africanos, onde a população vive com menos do que um dólar por dia, parece-me o transporte perfeito, estranhando o facto de não ver mais bicicletas por aqui.
Em alguns países como Moçambique, Tanzânia e Uganda muitas pessoas as utilizam mas em outros simplesmente não se vêem.

E que razões poderão haver para não ver se verem estas bicicletas, tão económicas e práticas, espalhados por este continente, tal como se vê na Ásia, por exemplo.
O que, em minha opinião, faz com que isso não aconteça é por uma questão de... status.
Socialmente falando, em alguns destes país será impensável a alguém (e estou a falar de um habitante local dentro da generalidade, isto é, pobre e sem instrução) conduzir uma bicicleta, apenas porque não fica bem e não é vista como um transporte alternativo ao carro e à motorizada.
Coisas de África onde um sistema de educação sério e eficaz podia ajudar a mudar tanta coisa...

Na manhã seguinte, apesar da chuva intensa, resolvi fazer os setenta quilómetros que separam Douala de Limbe, uma pequena vila  na costa dos Camarões.

A estrada para a Nigéria, meu próximo destino, vindo de Douala, é considerada das piores em toda a África: a tão falada Mamfe Road, onde o troço de cerca de 50 quilómetros de lama até à fronteira é mítica (pelas piores razões).
Ali já muitos homens desesperaram. Ainda no ano passado três espanhóis ficaram quatro dias para fazerem o troço numa carrinha, tendo depois desistido e contratado um camião para os tirar do lamaçal.
A outra opção nesta região dos Camarões é apanhar o ferry desde Limbe até Calabar, uma cidade portuária nigeriana, umas centenas de quilómetros a norte.
Sendo esta uma opção mais cómoda "cai-se", contudo, numa das região mais conturbadas em África, o que não é muito sensato.

Deste modo, não há decisões fáceis, especialmente nesta altura do ano,  para seguir para a Nigéria. E mesmo dentro da Nigéria é preciso ter muito cuidado onde se anda.
Pela primeira vez nesta viagem vou ter de tomar decisões da rota a seguir baseado em conselhos relacionados com a minha segurança.

Mas a opção tinha sido tomada e segui para Limbe, pronto para seguir no ferry para Calabar.
Acontece (porque nada acontece como eu prevejo) que, depois de uma chuvada de algumas horas, a Miss calou-se e parou de trabalhar.
Tal aconteceu já em Limbe pelo que só tive de desmontar e dar o dia como terminado.
Ao contrário do que se passou em Angola quando foi "fazer mergulho" num charco lamacento, a água da chuva chegou para fazer a Miss parar.
A faísca voltou a falhar e o problema parecia idêntico ao que tive em Libreville, no Gabão.
Mas desta vez decidi encomendar a peça de Portugal, um hall-sensor novo em folha e esperar, o tempo que fosse necessário, pela entrega em Limbe.

E uma vez que não possuo dotes de mágica para "fabricar uma aqui" e não quero arriscar seguir para a Nigéria com este problema, tomei a decisão de esperar, gastar algum dinheiro (quem disse que é barato guiar uma BMW?!) mas, desta forma certificar-me que resolvo o problema definitivamente.






Uma vez mais: hall sensor.
Mas desta vez o diagnóstico foi bem feito; reparem nos cabos completamente destruídos...


A Miss teve de encostar por uns bons dias


Mas acreditem que podia ser bem pior.
A Miss parou mesmo quando cheguei ao parque do hotel onde estou acampado, apesar da chuva diária (Limbé é, segundo me disseram, o segundo lugar do mundo onde chove mais), estou perto do mar, adormecendo embalado com o barulho das ondas e como peixe, muito peixe.

A peça, o novo hall-sensor, vai chegar (sabiam que existem centenas de postos DHL espalhados por África?!), estou bem alimentado e a faísca, essa faísca que tanto problema tem causado vai novamente aparecer e meter-me no caminho certo para casa.
Disso tenho a certeza.


A chuva é diária e quase permanente em Limbe, nesta altura do ano


Podia ser pior: esta tem sido minha casa nos últimos dez dias

...e este o meu duche

...este o meu vídeo-clube
(colecção Al Pacino por apenas 1USD. TIA no seu melhor)



...este o meu táxi.



...esta a minha refeição diária.


E estas as fotografias que vou tirando por cá.

































Espero...


4 comentários:

  1. Força nisso, Gonçalo!

    Grande post!

    Um grande Abraço desde Caldas da Rainha :)

    Hugo Barros

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  2. Grandes fotos, como sempre! ;)

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  3. Impressionantes a coragem que tens...!
    Se cuida e fica com Deus =))

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  4. q DEUS esteja sobre eles

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