quarta-feira, 20 de julho de 2011

Os Camarões (2ª Parte)


E assim aconteceu: depois de apenas quatro dias, desde que foi posta em Lisboa, a encomenda chegou a Limbe.
Na quarta-feira de manhã bem cedo estava à porta da delegação da DHL para receber o embrulho com um novo sensor-hall e ainda uns rolamentos, que aproveitei para também seguirem, tentando assim acabar de vez com os problema que direcção me tem dado.

O que não dá ter um pai e amigos (Pedro Caleja e Rui Baltazar) como os meus pronto para ajudar sempre que preciso?!
O facto de saber que em Portugal posso contar com a família e amigos tem-me dado muita força nesta viagem. Já por mais de uma vez foi com a ajuda deles que consegui superar os obstáculos que me apareceram e o facto de ainda continuar a rolar, a muito se deve a eles.


A delegação DHL em Limbe e finalmente o novo sensor-hall
Uma hora depois de receber as peças, já a Miss se fazia ouvir em Limbe.
Depois de colocado o sensor-hall surgiu a faísca e assim fui tratar de arranjar quem me conseguisse substituir os rolamentos.
À primeira vista pode parecer fácil retirar e colocar rolamentos. Tenho a certeza que qualquer oficina em Portugal deve fazer esse trabalho sem esforço, em menos de 30 minutos.
Mas aqui em África, sem ferramentas especializadas para o efeito e sem experiência tudo se resume ao improviso e os 30 minutos aumentam facilmente para várias horas, isto se se encontrar um lugar para realizar a operação.

Chovia torrencial mente e com a ajuda do Victor, um rapaz local que muito me ajudou durante a minha estadia na cidade, procurámos uma "oficina" que tivesse um torno para despacharmos o trabalho.
Depois de procurar bastante, de "bater a várias portas" e ainda com a ajuda de um mecânico que seguia na sua mota à nossa frente, indicando-nos o caminho até uma garagem, encontrámos o que precisávamos.

Foi aí que, durante algumas horas, "lutámos" com os rolamentos, primeiro tirando os gripados e depois, usando um macaco-hidráulico de camião, colocando os novos no seu lugar.
Quando a tarde ia a meio acabámos finalmente o trabalho e pude comemorar comendo um grande peixe grelhado acompanhado de uma cerveja.

A Miss estava pronta e desse modo, depois de muitos dias parado, poderia arrancar no dia seguinte.








O trabalho com os rolamentos numa oficina local


O precioso Victor e o seu irmão


Uns dias antes, o casal de holandeses que conduz a WW Combo amarela, apareceu no hotel e por lá ficou dois dias.
Seguiriam depois para a Nigéria pela estrada que vai para norte, desde Limbe até Mamfe e depois até Ekok, na fronteira dos dois países.

A "Mamfe Road" é conhecida entre os viajantes por ser um dos troços mais difíceis de fazer na usual rota do oeste africano. São apenas 60 quilómetros que durante a época seca se fazem facilmente em pouco mais de duas horas mas que com chuva, a sua travessia se torna muito complicada e pode mesmo demorar vários dias.

Muitas são as estórias entre os viajantes da dificuldade da sua travessia durante a época de chuva e eu, cansado e com receio de mais problemas mecânicos, tinha a ideia de seguir de Ferry desde Limbe para Calabar na Nigéria, evitando assim esta estrada.

A WW dos holandeses não tinha tracção às quatro rodas, pneus especiais, guincho ou qualquer outra "engenhoca" e mesmo assim eles seguiram para Mamfe.
Logo que a Miss ficou pronta, ganhei coragem e optei também por seguir por aquela estrada: seria mais rápido, mais barato e mais seguro do que a opção do barco, isto se tudo corresse bem, claro.

E assim parti. Durante umas horas conduzi em asfalto, junto ao Monte Camarões, a montanha mais alta do Oeste de África.
Estas montanhas são visíveis de Limbe e mesmo ficando por lá mais de uma semana, nunca as vi, pois as nuvens carregadas nunca o permitiram.

Já a meio da tarde, a cerca de 30 quilómetros de Mamfe, onde ficaria a dormir para me preparar para o mítica "estrada" os problemas começaram.
Com chuva, as estradas de argila tornam-se autênticos "ringue de patinagem" e de forma algo ingénua, mantive a velocidade (ainda que baixa) a que seguia em tempo seco e dei a minha primeira queda do dia.
Essa foi queda mais aparatosa pois seguia aí a uns 50km/h, tendo escorregado junto da mota aí uns bons 15 metros.

Como consequência, o suporte da mala lateral partiu-se e uma vez que a chuva não dava sinal de parar, fiquei durante algum tempo naquele local.
A estrada estava muito difícil para conduzir, os pneus que uso não ajudavam e a pesada mala lateral, agora sem suporte seria muito difícil de transportar.
Mas com a ajuda dos locais, negociei o transporte daquela mala até Mamfe com um dos rapazes "moto-táxis" locais.

Apesar da chuva estes rapazes com as suas motas chineses, leves e relativamente potentes, conhecem aquelas estradas como ninguém e se existe alguém capaz de conduzir uma mota naquelas estradas de argila na época da chuva são eles.
Rapidamente o "moto-boy" amarrou a mala com uma tira de borracha e seguimos caminho.
Mas apenas 5 minutos à frente voltei a cair: simplesmente era impossível não cair pois mesmo não passando dos 10km/h os pneus não tinham qualquer tracção.
Nova queda e desta vez foi a outra mala lateral a sofrer, tendo saltado do suporte da mota.
Isto não podia estar a acontecer: em pouco mais de 1 quilómetro fiquei sem as duas malas laterais. Agora apenas tinha o saco amarelo e o rapaz teria de levar a segunda mala.
Sem qualquer dificuldade o rapaz colocou as duas malas na traseira da sua mota (o que serão aí uns 50kg) e seguimos, ainda com algumas quedas pelo caminho até Mamfe onde chegámos já no final do dia.

Estava encharcado, muito cansado e ainda passei algumas horas, já na cidade, a reparar o suporte da mala.
Com solda e muito martelo o suporte ficou pronto e as malas foram novamente colocadas na Miss.

Já escuro, fui procurar um sítio para descansar, uma vez que tinha de arrancar na manhã seguinte em direcção à fronteira.

O casal de holandeses decidiu enfrentar "Mamfe Road" e eu segui o mesmo caminho



"Angola" está em toda a parte





As conhecidas estradas de argila


Aqui foi a primeira queda

 E o suporte de uma das mala partiu-se


"Moto-boy" a ajudar-me com o transporte da mala


Um pouco mais à frente outra queda e outra mala saltou da mota...


E mais outra mala para a mota do rapaz



O estado da estrada e a chuva tornava tudo muito difícil





Arranjo do suporte das malas já em Mamfé


O dia seguinte foi dos mais cansativos que tive na minha vida.
Bem cedo, tratei de procurar alguém, algum "moto-boy" que me acompanhasse até à fronteira. Teria de ser alguém que conhecesse muito bem a estrada, que me ajudasse sempre que caísse e que me guiasse pela chuva naqueles 60 quilómetros infernais.

No final, demorei seis horas para cobrir aquela distância, debaixo de uma chuva torrencial e muita trovoada, atravessando a selva daquela região. Com algumas quedas, muita lama, ajuda a carros empanados pelo caminho e, quando o dia ia a meio, cheguei à fronteira.

Depois de comer alguma coisa sai dos Camarões e dirigi-me para a migração da Nigéria.
Estava muito cansado mas durante muito tempo sonhei com as estradas asfaltadas na Nigéria e queria entrar rapidamente no país.
Naquele momento não pensava em questões sobre a segurança delicada na região, dos raptos a expatriados e da corrupção que existe por toda a parte: apenas pensava no asfalto que viria a encontrar no lado da Nigéria.

Depois de atravessar a ponte que separa os dois países vi imediatamente o asfalto. Apenas faltava o carimbo de entrada no país e em breve eu e a Miss estaríamos a rolar do jeito que queríamos.

Entrei no barracão da imigração e entreguei o meu passaporte com o visto, conseguido na embaixada da Nigéria, em Angola.

- "Tens um problema, este visto está caducado." - disse-me o chefe do posto.

O que se passou foi que os trinta dias que me deram no visto da Nigéria começaram imediatamente a contar em Angola, no momento em que me entregaram o passaporte e, uma vez que isso foi há quase dois meses, deixou de ser válido.

Aí está uma forma nada boa de chegar a um país como a Nigéria: de visto de entrada caducado.
E com o carimbo de saída dos Camarões estampado no meu passaporte, sem visto válido para entrar na Nigéria e longe de tudo, a minha estrelinha parecia que me tinha abandonado. Mesmo com o meu optimismo exagerado habitual, duvidei que aquele problema se fosse resolver rapidamente.

E assim, esperei no posto fronteiriço até perto da meia-noite até que a solução para o meu problema surgiu finalmente.



Antes da partida, a preparar a mota juntamente com o "taxi-boy"


Uns metros de asfalto antes da mítica "Mamfe Road"






Estrada muito difícil debaixo de uma chuva torrencial





Aqui um carro que não sobreviveu à estrada





Depois de muita chuva e lama, já na fronteira a almoçar


No posto da migração da Nigéria pronto para ter de regressar aos Camarões

1 comentário:

  1. Companheiro...só de ver as fotos desta estrada ainda to arrepiado! De carro deve ser o inferno...de mota o sacrifício!! Dasse...

    Seria giro fazeres uma colecção de fotos com a miss e a estrada como pano de fundo! O que ainda não passou essa menina?

    Grande abraço...

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