quarta-feira, 15 de junho de 2011

Angola-RDC (entrada em "AFRICA-CRAZY")

 "Isto não é África, pensei quando entrei na Namíbia." - assim comecei o registo da viagem, nove meses atrás, quando sai de Angola.
Acabava de conhecer o meu segundo país em África e sentia que entrara num mundo diferente do que conhecia de Angola, um país organizado e com boas infraestruturas. Ali as coisas pareciam funcionar.
 
Agora, depois de tantos meses de viagem saía finalmente de Luanda, desta feita rumo a norte, começando a segunda parte da minha aventura.

Depois de 32 mil quilómetros começou a segunda parte e, desta vez, sem mais voltas (é uma promessa, mamã), o objectivo é apenas o de chegar a casa: a Portugal, a Queluz;  arrumar a Miss na garagem lá de casa.
Depois logo se verá  o que irei fazer.

Sinto que os últimos meses trouxeram-me bastante experiência de viagem. A partir de agora serei mais cuidadoso, tentarei escolher o trajecto mais "meigo" para a mota, evitando "saídas fora de estrada".
Dito assim, soa a piada, conhecendo as estradas destes países, mas farei um esforço nesse sentido.
Bem, a verdade é que não terei alternativa em muitos dos casos; irei apanhar a época de chuva (será ela a apanhar-me a mim) a norte do Equador e  terei de "dar o litro"; a Miss também vai ter de dar.
 
Voltando ao relato dos acontecimentos recentes: o Olivier, o francês que conheci à entrada de Angola vindo da Namíbia, continuava em Luanda a reparar a sua velhinha Transalp e decidimos arrancar juntos para Norte.
Ambos temos ideias parecidas da rota a seguir e, nesta fase do percurso, parece-me prudente seguir com companhia.

Assim, agendámos o dia, combinámos o ponto de encontro (Belas Shopping em Luanda), e à hora marcada lá estávamos de "trouxa às costas", prontos para a estrada.
Uma dezena de quilómetros depois, com ritmos de condução totalmente diferentes, adiantei-me, seguindo sozinho a partir dali. Ambos sabíamos que nos voltaríamos de encontrar.

Rumando a norte pela estrada rumo a Nzeto, na costa de Angola, acabou o alcatrão, começando a dolorosa estrada de terra batida.
Ali, aos poucos, comecei a entrar de novo em "modo-viagem".



"Modo-viagem"  ON


Depois de quase dois meses de repouso forçado, eu e a Miss já não estávamos habituados à exigente condução em África e mal entrámos naquela estrada (uma via esburacada que passa perto de Ambriz e que segue para Nzeto) os problemas apareceram de imediato: a direcção da mota tem uma folga brutal que torna muito difícil a sua condução em areia (o que é preocupante nesta fase da viagem), o mostrador com a informação da mota partiu-se, saltando do lugar, caindo-me no colo (neste momento pouca coisa funciona no mostrador e só quero que ele fique quietinho no seu sítio), a arrumação da bagagem não está perfeita e terá de ser um ponto a rever no futuro, as minhas costas doem, bem como o rabo, o fato é quente, as botas apertam-me nos pés, etc.

Optámos por partir no final da manhã de Luanda e começar a viagem fazendo poucos quilómetros.
Assim, antes de Nzeto, a conduzir sozinho desde o Cacuaco e com o sol a desaparecer no horizonte, tive de parar e montar acampamento. O local calhou ser Musserra.
Nunca tinha conduzido tão a norte de Angola e esta pequena vila pareceu-me ideal para passar a noite.
Acampado junto às instalações da polícia passei bem a noite.
As noites de campismo estavam para durar...




 Acampamento em Musserra

 
No dia seguinte, antes de partir, um dos polícias contou-me que uns meses antes, em Janeiro, um motard sul-africano, que por ali passava, teve um acidente. Apenas uns quilómetros antes a sua moto entrou num buraco e deu-se o desastre, tendo o senhor sido transportado de emergência para Nzeto e de seguida de avião para Luanda.
Pedi para ver a mota e o guarda levou-me até um contentor que guardava uma KTM 990 linda de morrer. Pelo que percebi o acidente não causou danos de maior na mota e "apenas" o condutor sofreu, tendo, segundo o polícia, "partido os ossos".

Bem, foi algo triste e intimidador saber do acontecimento e ver ali ao vivo a mota, cheia de autocolantes a anunciar a rota prevista (que acabaria algures no Senegal), o equipamento extra, as peças extra, que nunca virão a ser utilizadas para essa viagem.

- "O estrangeiro ia chegar a Nzeto rápido para pôr combustível e ia muito rápido e não viu um coiso na estrada da chuva e caiu." - disse-me o guarda.

Ainda muito cedo, (no "modo-viagem" costumo deitar-me antes das 7 da tarde e acordar perto das 6 da manhã) arrumei a bagagem e segui viagem.
Depois de passar por Nzeto, na mesma estrada massacrada do dia anterior, tive uma visão fantástica: alcatrão novo.
É difícil explicar o sentimento de entrar numa boa estrada depois de tantos quilómetros de horrível condução. A folga na direcção tornava tudo mais complicado e finalmente estava feliz pois sabia que dali para a frente, até à fronteira, o pior já tinha passado.
 
Depois de abastecer em Mbanza-Congo, despedindo-me dos preços em saldo da gasolina em Angola (quase um terço do preço dos países vizinhos), segui em direcção à fronteira, rumo a Luvo.
Não demorou muito a alcançar o posto fronteiriço e ainda com a tarde no inicio preparei as coisas para uma noite de acampamento. Continuava sozinho e sem notícias do Olivier.
 
 



Chegada a Nzeto e finalmente...o alcatrão




 Trajecto Mbanza Congo - fronteira do Luvo

Não foi difícil arranjar um espaço seguro onde passar a noite: depois de falar com o responsável da migração, já com o carimbo de saída de Angola no passaporte, este arranjou-me um espaço para colocar a tenda, junto da sua residência.
Optei por passar a noite em solo angolano, em vez de atravessar para a RDC, pois ainda me restava uns kwanzas no bolso e seria sempre mais agradável que passar a noite na migração do "outro lado".
Previa que no dia seguinte as coisas fossem bastante demoradas, no mínimo, e queria começar as formalidade da entrada assim que os portões abrissem.
Assim, às 8:30 da manhã, com tempo de sobra para arrumar tudo e comer alguma coisa, sai finalmente de Angola e entrei na estrada que dá acesso, passando o Rio Luvo, à RDC.
 




Acampado na fronteira do Luvo (Angola-RDC)



 Alguns dos perigosos na zona: minas e insectos

Ainda antes da migração da RDC, num posto policial, uns guardas pediram-me o passaporte, já com o visto da RDC estampado previamente em Luanda, e desapareceram com ele.
Entretanto foi-me permitida a entrada nas instalações da migração daquele país e por lá fiquei, mais de uma hora, esperando calmamente, enquanto dezenas de pessoas rodeavam a Miss.
Como sempre, todo um rol de perguntas curiosas, habituais sobre a Miss  foram feitas, limitando-me eu a responder calmamente enquanto esperava o desenvolvimento da minha entrada no país.

Estava sentado à espera quando um jeep entrou no recinto fazendo com que todos os funcionários se levantassem.

- "C´est le chef..." , disse-me uma funcionária.

Nisto, um homem negro, careca, atarracado e coberto de fios de ouro dirigiu-se para o interior das instalações.
Passado algum tempo alguém me chamou e indicaram-me  a sala do "chefe":

- "You have a problem!!!" - diz-me ele.

- "Então, o que se passa?!" - tento perguntar eu no meu limitado francês.

- "O teu visto não é válido. Foi tirado em Angola. Tens o cartão de residente de Angola? Porque tiraste o teu visto em Angola?"

Expliquei que havia trabalhado cinco anos em Angola, que estava em viagem à bastante tempo e que tive o visto concedido pela embaixada da RDC em Luanda, sem qualquer problema.

- "Se não tens cartão de residente de Angola tens de pedir o visto no teu país. Tens de regressar. Vai!!! - disse-me, levando-se e apontando para Angola.

Isto aconteceu realmente; agora que recordo a cena parece tirada de um filme.

 
A verdade é que estava bastante calmo na altura. Aliás, desde que sai de Luanda, sinto-me bastante mais sereno e mesmo quando algo não corre como o previsto (quase sempre), quando as estradas são más e não consigo cumprir a distância a que pessoalmente me proponho, já não me incómodo como antes.

Vendo bem as coisas, diminuindo o ritmo da viagem, fazendo menos quilómetros por dia, limitando a velocidade e descansando mais tempo entre as tiradas mais longas, aumento as hipóteses de chegar a Portugal, acompanhado da Miss.
 
Por isso, quando o "Chef" congolês me apontou a direcção de Angola e disse claramente que tinha de regressar (mesmo sabendo que isso seria impossível), mantive-me calmo e pensei nas minhas alternativas: por um lado não podia oficialmente regressar a Angola pois tinha já o carimbo de saída (claro que se quisesse regressar a Luanda ou mesmo tentar a outra fronteira com a RDC, umas centenas de quilómetros a Oeste, poderia tê-lo feito em troca de um punhado de dólares); por outro lado senti pela posição clara do responsavel que este não iria mudar sua a decisão (tentei mesmo oferecer uma "pequena prenda" para evitar aquela confusão) mas sem qualquer efeito.
Restava-me apenas regressar ao lado angolano e estudar as minhas hipóteses. Foi uma decisão fácil, pois não tinha outra opção.

No momento em que me ia a dirigir para a mota, o Olivier apareceu na sua "rat-bike", deixando um rasto de poeira no ar. Sorrimos mutuamente e, depois de nos cumprimentarmos, disse-lhe que por ali não iríamos puder entrar, pelo menos naquele momento.
  
 
Regressámos assim a Angola e resolvemos tentar algo: contactar as embaixadas portuguesa e francesa pedindo ajuda para o nosso caso, para tratar daquela embrulhada.
Afinal, somos os dois cidadãos daqueles países, estamos os dois legais, temos os passaportes válidos, os vistos para a RDC passado pelo embaixador em Angola e carimbados nos passaportes e já fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.

Tínhamos apenas um simples problema: faltava o número de telefone das embaixadas.
Foi nesse momento que me lembrei de um contacto que tirei da Internet, uns meses atrás, de um hotel de nome "Estoril-Sol", bem no centro de Kinsasha, a capital da RDC.
Tinha anotado o nome do dono do hotel, o Paulo Oliveira e alguns dados.

No computador tinha guardado a seguinte informação (devo dizer que não sou organizado neste campo e esta informação foi a primeira que guardei em toda a viagem):

"
Hotel Estoril Adress: 85 Avenue Kabasele, Kinshasa - Gombe.
Phone: (+243)898912210
Email: hotelestorilrdc@yahoo.fr
Website:
Price-range:

Description: Located in the center of Kinshasa. Very close to the train station.

Paulo monteiro

hotel.estorilsolrdc@yahoo.fr


"

Bem, a verdade é que acabei por conhecer o Paulo, dias depois, como vos vou contar mais à frente, já em Kinsasha.
 
Depois do Paulo me ter dado o número liguei de seguida para a embaixada portuguesa na RDC, explicando a minha situação.

- "Mantenha-se calmo. Tente dar algum dinheiro. Esses gajos o que querem é dinheiro." - disse-me a funcionária.
 
A minha experiência com a embaixada portuguesa não foi das melhores, resumindo tudo o que se passou.
Entendo que tenham tentado desbloquear a minha situação, mas de facto, na práctica, foi tudo o que fizeram.
O que aconteceu foi que ficámos, eu e o Olivier, duas noites na fronteira a dormir (de acampamento montado) à espera que ligassem, de qualquer uma das embaixadas (portuguesa ou francesa),  para alguém com "peso" do lado congolês para resolver toda aquela absurda situação.

Tudo isso, longe de ser normal, foi encarado por mim e pelo Olivier, como mais um desafio que haveria de ser ultrapassado.

Porém, a diferença entre os comportamentos das duas embaixadas foi enorme: ao Olivier, da parte francesa, ligavam diversas vezes dando o ponto de situação dos desenvolvimentos alcançados, perguntando se estava tudo bem, se tínhamos sítio onde dormir, comida, etc.
Quanto à embaixada portuguesa, apesar de terem o meu número (já com cartão telefónico congolês) mostravam-se pouco interessados quanto à nossa condição.

Sinceramente, nunca esperei que a embaixada portuguesa fosse melhorar o meu bem-estar.
Aliás, essa é uma razão pela qual nunca contactei qualquer embaixada portuguesa pelos países por que tenho passado: sei que têm "muito trabalho" e sentir-me-ia culpado se ainda contribuísse mais para agravar as suas agendas.

De qualquer modo, se não fosse pelos franceses a esta hora ainda estaria na fronteira; detesto ter de o  dizer.






 Pausa de dois dias na fronteira do Luvo.
Pouco mais havia a fazer do que fazer os contactos com as embaixadas, comer, beber e...esperar.

Mas a verdade é que a minha "estrelinha" ainda brilha e o contacto que o Olivier fez com a sua embaixada permitiu-nos chegar a Kinsasha algum tempo depois.






Processo de entrada na RDC (3 horas de burocracia)







 A caminho de Kinshasa, capital do país

 
Já na capital, acampámos num centro religioso, tendo tirado o dia seguinte para agradecermos às respectivas embaixadas.
Primeiro foi a vez da francesa onde fomos recebidos pelo responsável pela nossa "ordem de soltura" e depois segui-se a portuguesa.

Não me lembro de ver no estrangeiro uma embaixada tão bonita como a portuguesa, sou sincero. Um edifício enorme, poderoso, certamente ainda do tempo colonial belga.

- "Vocês é que são os gajos que tavam na fronteira?!" - perguntou um musculado militar G.O.E., assim que estacionei à frente do portão da embaixada.

No interior, uma funcionária, uns quantos militares (talvez para garantir a segurança do Sr. Embaixador e dos seus funcionários) e um guarda local estavam na sala principal quando eu entrei.

Começei por agradecer o facto de terem "tomado conta do meu caso" mas não perdi a oportunidade de dizer que esperava mais apoio por parte da embaixada.

Vistas bem as coisas, como tive oportunidade de dizer pessoalmente aos funcionários, à secretária do embaixador e ao próprio embaixador, aquelas instituições, no meu ponto de vista, devem prestar total apoio aos cidadãos portugueses nos países estrangeiros; de outro modo não fazem sentido.
Mais do que "fazer diligências", como o Sr. Embaixador João Perestrelo disse que fizeram no meu caso,  penso que as embaixadas se devem preocupar com a situação dos seus compatriotas naquele país.
O que eu lamentava era a total falta de sensibilidade da parte dos funcionários que, sabendo que eu estava na fronteira, impedido de entrar em Angola ou na RDC durante dois dias, não tiveram o trabalho de me ligar para me informar o que estava a acontecer "nos bastidores", se me encontrava bem ou se precisava de alguma coisa.

A curta conversa que tive com o embaixador acabou com o senhor a virar-me costas perante a minha insatisfação.
Desse modo saiu da sala dizendo:

- "Se o senhor tem alguma reclamação a fazer tem aí o livro de reclamações."

Naturalmente escrevi... 
(por vezes somos tão pequenos, pensei.)    
 
 
     
Visita à embaixada portuguesa em Kinshasa e reclamação escrita aquela instituição
 
 
Acabámos por ficar apenas dois dias em Kinsasha, que tem pouco de interessante.
Nota-se a confusão típica de cidade africana, andando pelas suas ruas, mas pouco tempo tive sentir tudo aquilo.
Mesmo assim passei uma tarde à procura de uns rolamentos para a mota e aí tive a oportunidade de sentir as loucas ruas daquela cidade.

Ficou-me no entanto a agradável passagem pelo Hotel Estoril-Sol onde conheci o dono, Paulo, e saí da RDC, sentindo  que ali deixei um amigo.


 Acampados em Kinshasa




Pelas ruas de Kinshasa procurando um rolamento


Com o Paulo Monteiro junto do Estoril-Sol, bem no centro da cidade


 A melhor influência francesa nestes países é a comida: baguetes e mais baguetes



Outro país, a República do Congo, está mesmo ali, ao atravessar o grande rio, de nome Congo. Era lá que tínhamos os olhos postos.
Precisávamos de descansar, de sacudir a poeira dos ossos, e optámos por o fazer quando chegássemos ao Congo.

Depois do desafio da fronteira Angola-RDC superado tínhamos ainda a travessia do Ferry da RDC para o Congo; um dos maiores desafios nesta região de África.
E isso, meus amigos, foi uma das experiência mais "africacrazy" que tive na minha vida.


"Africa Fun"

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