sexta-feira, 6 de maio de 2011

Zâmbia: One Zambia - One Nation


Entrei na Zâmbia numa manhã de sol e rumei a Lusaka, a sua capital.
As boas estradas de asfalto, que ligam as principais cidades do país, tornaram a viagem confortável e rápida. A meio da tarde já estava a entrar na cidade de Lusaka e a procurar um sítio para estender a tenda.

A região onde se situa o país só começou a receber influência ocidental em meados do século XIX.
Primeiro fomos nós, os portugueses, a querer que este território fosse integrado em Angola ou Moçambique, contudo devido à forte pressão britânica esses planos foram cancelados e, com chegada de missionários e exploradores britânicos, a presença inglesa ficou garantida nesta parte de África.
Pouco depois os ingleses "obtiveram a licença" para a exploração mineral do território e no final do século XIX foram fundadas as colónias britânicas da Rodésia do Norte (correspondente à Zâmbia de hoje) e da Rodésia do Sul (hoje o Zimbábue).

Em 1964 a Rodésia do Norte tornou-se independente com o nome de Zâmbia, sob a presidência de Kenneth Kaunda, da União Nacional da Independência (o partido único) e este convenceu os colonos brancos a não emigrar, como ocorreu na maior parte das ex-colónias europeias em África.

Apesar de ser um país com um vasto leque de etnias (cerca de 70), com ricos recursos naturais (dos maiores produtores mundiais de cobre) e vizinho de países politicamente instáveis como a RDC e o Zimbábue, a Zâmbia não parece afectada por estes factores e continua a ser uma referência de estabilidade social e política nesta região de África.

No brasão da bandeira do país, o lema “ONE ZAMBIA – ONE NATION” destaca-se, bem como se identifica a água representando a maior atracção turistica do país e o maior orgulho da Zâmbia: as quedas Victoria, incluída na lista das sete maravilhas do mundo.

Mas antes desta maravilha natural o meu destino foi a capital, Lusaka, onde passei alguns dias.

Lusaka é uma cidade pequena e organizada; um pouco "europeia", posso mesmo dizer.
Fiquei alojado num back-packer (Lusaka Back-Packers), partilhando o quarto com outras cinco pessoas em regime de camarata uma vez que o campismo não era opção naquele local.
Apesar de ser uma cidade com algumas mordomias nesta região de África, Lusaka é cara.
Confesso que por esta altura já fazia muitas contas à carteira pois, a viajar há bastante meses, o extracto da minha conta continuava a baixar a um bom ritmo, faltando muito ainda para chegar a casa. Infelizmente nada mudou em relação a este assunto, como é natural.

Tive o prazer de deambular vários dias pelas ruas da cidade, passeando pelos inúmeros centro-comerciais e fazendo algumas compras necessárias, enquanto o meu visto para Angola era tratado na embaixada do país.
Resolvi tirar ali o visto pois a próxima capital em que estaria seria Windhoek na Namíbia e não tinha intenção de ali esperar pelo visto, uma vez que já conhecia aquela cidade.

Até este ponto da viagem não tive quaisquer problemas com os vistos de entrada nos países por onde passei.
Todos eles, com excepção do Ruanda, que tive de tirar antecipadamente mas de forma fácil, todos foram comprados na fronteira e apenas com a apresentação do passaporte e do pagamento de quantias que variaram entre os 20 e os 40 USD. Em alguns países o pagamento para o visto nem foi necessário como foi o caso da Namíbia, África-do-sul e Malawi.

Mas eu sabia que o pior estava para vir e iria começar com Angola.

Apesar de todos os guias dizerem que é muito difícil obter o visto para Angola em Lusaka decidi mesmo assim arriscar e fazer uma visita à embaixada.
Chegando lá, uma grande vivenda no centro da cidade, disseram-se que o processo seria fácil:

- "Vem cá na 2ª-feira (era 5ªF), traz a carta de chamada (um documento de uma empresa ou em nome individual enviada a partir de Angola em como se responsabilizam pela minha estadia no país), uma fotografia, este impresso preenchido e cem dólares. Depois vais esperar até 4ªF e tens o teu visto. Até te vamos dar um visto de 60 dias" - disseram-me.

- "Ok, tudo bem. Tem a certeza que é tudo. É só isso mesmo? De certeza? Não falta nada?!" - perguntava eu.

A minha insistência e desconfiança era legítima pois passei muito tempo em Angola e sei que naquele país nada é como parece e simplesmente tudo aquilo me parecia fácil demais.

Os dias seguintes foram passados em Lusaka à espera do dia em que poderia ir até à embaixada entregar a papelada.
Entre leituras, cinema e passeios os dias passaram e aproveitei para retemperar forças e tratar-me com alguns mimos.

Na 2ªF seguinte, no início da manhã, já lá estava na embaixada com todos os documentos que me disseram serem os necessários.

- "Então tem tudo?" - perguntaram-me.

- "Sim, tudo o que me pediram".

- "Ok, então e a cópia do alvará da empresa?" (tinha pedido à Factor, empresa onde trabalhei antes de iniciar a viagem, a carta de chamada que me foi enviada de imediato)

- "Não, não me falaram em nada disso".

- "Sim, mas é preciso".

Confesso que não tinha saudades nenhumas deste comportamento típico que apanhei várias vezes a trabalhar em Angola: a informação é mal dada ou é dada de forma incompleta e no final falta sempre algo.

- "Aqui não me foi dito nada disso. Agora como é que eu vou fazer?! Tenho de pedir isso à empresa. Volto já então".

O facto de ter a mota e poder-me descolar facilmente ajudou mas não tinha Internet e teria de fazer a viagem a um cyber-cafe para tentar apanhar o director da empresa em Angola e lhe pedir o envio deste documento, agora exigido.

Com alguma sorte consegui falar com ele e algumas horas depois tinha o documento comigo e voei para a embaixada com medo que fechasse entretanto.

- "Ok, agora tenho tudo. Estão aqui todos os documentos que me pediram e o dinheiro" - disse com confiança.

- "Esse dinheiro tem de ser depositado na conta da embaixada no banco." - disse-me a senhora atrás do balcão.

- "E porque é que não me disseram antes, senhora??!!!!" - perguntei chateado e já com o tom de voz alterado.

Assim, a espumar de raiva, deixei a embaixada e fui procurar na cidade o banco aonde teria de fazer o depósito.

Horas depois de ter ido pela primeira vez à embaixada, naquela manhã, tudo estava finalmente tratado. Todos os documentos estavam entregues e o dinheiro fora depositado sendo-me garantido que dali a uns dias teria o visto colado no meu passaporte.
Tinha feito tudo o que me pediram e teria agora de aguardar e esperar que tudo corresse normalmente.


Mas o normal em África é as coisas não correrem mesmo do jeito que estamos à espera e uma vez mais esse facto veio-se a confirmar.

Na 4ªF ligaram-me da embaixada e disseram-me que não me podiam dar o visto. Simplesmente isso.

- "Mas não podem porquê?" - perguntei furioso.

- "O senhor não reside na Zâmbia e se não reside aqui não lhe podemos dar o visto." - responderam tranquilamente.

- "Mas há uns dias quando estive aí tudo estava bem e os senhores disseram-me que me iam dar o visto. Eu até paguei o visto e agora dizem que não me dão?! Não me podem fazer isso. Por favor, como já vos disse tenho toda a minha família em Angola à minha espera (uma mentirinha para ajudar...) e preciso ir ter com eles. Por favor veja o que pode fazer em relação a isso, por favor minha senhora." - implorei.

Depois de uns dez minutos a argumentar com a senhora, mostrando-lhe que tinha feito tudo aquilo que me tinham dito na embaixada e que estava já há quase uma semana em Lusaka de propósito para obter o visto para Angola ela hesitou e acabou por dizer:

- "Ok, vou dar-lhe o visto mas nunca mais o venha pedir em Lusaka. Pode vir cá amanhã buscar o seu passaporte."

Tudo se resolveu pela melhor das maneiras. Fui receber o meu passaporte na manhã seguinte das mãos da funcionária que ainda me disse:

- "O teu passaporte deu bué de macas aqui no escritório. Devias deixar aí alguma "gasosa" pela ajuda que te demos."

Sorri e argumentei rapidamente: "Eu ando a viajar senhora, já tenho pouco dinheiro..."

- "Sem maca, na próxima então..." - rematou a senhora.

Sorrimos os dois e sai do consulado.
A Miss estava estacionada no parque já com toda a bagagem em cima, pronta para seguir finalmente até Livigstone, junto da fronteira do Botswana, cerca de 400 quilómetros para Oeste de Lusaka.


Alguns quilómetros depois, já a sair da cidade, passei por um motard, um companheiro com uma Yamaha Ténere. O Jami é um finlandês que saiu do seu país há já 6 meses e o seu destino é a Cidade-do-cabo, na África do Sul.
 
Nunca tinha viajado com ninguém ao longo dos últimos sete meses e confesso que gostei da companhia do Jami. Juntei-me a ele e, uma vez que seguíamos a mesma rota, acabámos por passar quase duas semanas juntos.

Conhecemo-nos, contudo de uma forma peculiar: quando passei por ele na estrada e o cumprimentei, continuamos os dois durante pouco mais de três quilómetros quando um policia saltou por detrás de um arbusto e ordenou que parássemos.
 
Muitas vezes quando acontece algo semelhante não costumo parar. Sei as complicações que se pode ter com a polícia em África e confesso que quando sinto que não há perigo (geralmente se não vir armas apontadas) costumo não parar neste tipo de operações.
A última vez que tinha respeitado a indicação de paragem de um policia tinha sido no Zimbábue e percebi imediatamente que não o devia ter feito pois a conversa dele acabou com o pedido de uma generosa "gasosa", mesmo sabendo que eu não tinha feito nada.
 
Desta vez resolvi não parar mas como vinha a ser seguido pelo meu novo amigo hesitei. Mesmo assim não parei e para meu espanto (ou talvez não) o finlandês parou.
Uns quilómetros à frente deparei-me com outra operação da polícia e tive mesmo de encostar. Acontece que foi comunicada a minha infracção e lá estavam eles prontos para me mandarem parar.
Entretanto o Jami não aparecia e fiquei preocupado.
 
À primeira vista a minha atitude é arriscada e irresponsável mas acreditem que já tive tantos episódios com estas operações policiais em África, desde "agentes" completamente embriagados que me mandaram parar e me pediram dinheiro por ter a "viatura suja" até aos que "apenas" pediram dinheiro, que agora, na maior parte das vezes, não paro sempre que vejo que não existe perigo de ser baleado ou perseguido.
 
Deste modo, quando fui bloqueado uns quilómetros à frente disse apenas que não tinha visto aquele polícia a mandar-me parar (até porque ele não usou qualquer placa de STOP) e que não tinha razão para não parar pois tinha todos os documentos válidos.
Depois de uns minutos de espera chegou o Jami com o agente que estava lá atrás na estrada e foi-me dito que seria preso e iria a tribunal, etc.
 
Isso até me assustaria se eu não vivesse em Angola há quase 5 anos e não tivesse já passado por algumas daquelas situações. A verdade é que os polícias fazem, a maior parte das vezes, todo aquele "espectáculo", assustando o mais que podem para poder esvaziar os bolsos das pessoas (que muitas vezes nem infractores são).
 
E então, depois de algumas cenas de teatro (de parte a parte pois também já consigo dar algum espectáculo)  fui "libertado".
O Jami, ainda muito inocente e ingénuo, tinha entregue mais de 100 USD ao polícias e eu, que costumo andar sempre com pouco dinheiro entreguei mais 30 USD, directamente para o bolso dos agentes. Problema resolvido.
 
 No final eu e o Jami apresentámo-nos e uns quilómetros depois fizemos as contas tendo-lhe pago metade do valor gasto por ele.

Continuámos, de seguida, até Livingtone, cidade fronteiriça com o Zimbábue, na região Oeste do país, conhecida internacionalmente por ser a cidade que dá acesso (do lado da Zâmbia) às quedas de água de Victoria.


Mosi-oa-Tunya (fumo que trovoa) é o nome usado pelos habitantes locais para designar as Quedas Victoria.
Trata-se dum fenómeno natural com 1.7 km de comprimento e uma altura média de 108 metros, formando a mais larga cascata do mundo.
A montante das quedas, o rio Zambeze, que nasce na Zâmbia, corre sobre um nível de basalto, num vale pouco profundo até que todo o comprimento do rio cai naquele abismo.

Nada me preparou para aquele espectáculo de água.
Já muito se escreveu sobre ela e tudo o que foi escrito e descrito é verdade. Não se fica indiferente. São belas e impressionantes.

A dimensão e sobretudo a quantidade de água que cai nesta altura do ano é de facto assombrosa. Primeiro ouvem-se e depois vêem-se e para se perceber melhor basta dizer que só a nuvem formada pelo vapor de água resultante da queda de toda aquela água atinge os 800 metros e chega a ser visível a 40 km de distância.

As Quedas são uma das maiores atracções turísticas em África, sendo Património Mundial da UNESCO.
Deste modo é um local cheio de turistas todo o ano e pode ser um pouco desagradável estar no meio de tanta gente.
Uma vez mais acampei num local perto do Zambeze, com a companhia do Jami, o que deu para disfarçar essa enchente.


Final da tarde do primeiro dia em Livigtone, nas margens do Zambeze


Miss Africa nas margens do Zambeze, com vista para as Vic Falls




O primeiro contacto com as quedas foi inebriante.
Não deixa ninguém indiferente.




Nem mesmo o "chuveiro" provocado pela nuvem de água da queda me fez afastar do abismo.
A máquina fotográfica sofreu um pouco mais...


Ponte Arco-Íris
Ligação entre a Zâmbia e o Zimbábue é feito por uma das pontes mais bonitas do mundo


No dia seguinte o Jami optou por fazer todas as actividades radicais que podia (Bungee Jumping, entre outras) e eu escolhi sobrevoar num ultra-leve com motor todo aquele lindo cenário.
A vista aérea das quedas e da envolvente foi dos cenários mais bonitos que tive a oportunidade de ver e um dos pontos altos da minha experiência na Zâmbia.





Sobre a ponte que liga os dois países


Vendedor de artesanato do Zimbábue




Jami voador (e corajoso)












Alguns momentos inesquecíveis do meu voo sobre Vic Falls
A sobrevoar a queda e a observar os elefantes que se encontram
nas margens a montante do Zambeze

Estas quedas são repartidas entre Zâmbia e o Zimbábue e no local uma ponte liga os dois países. Quase tão magnifica como as quedas é aquela ponte, considerada uma das mais bonitas obras da engenharia do século XX.

A Ponte das Cataratas Vitória ou Ponte Arco-Íris foi concebida por Cecil Rhodes e inaugurada em 1905 por George Darwin, filho de Charles Darwin. Foi inicialmente uma ponte ferroviária e tinha por objectivo unir o Zimbábue e a Zâmbia, função que ainda hoje desempenha, mas desta vez sendo cruzada maioritariamente por automóveis e utilizada para Bungee jumping.



Ponte das Cataratas Vitória ou Ponte Arco-Íris


Dois dias depois, ainda inebriados com a beleza daquele local, saímos com rumo a um novo país: Botswana.

O país dos elefantes fica a pouco mais de três horas de caminho de Livigstone e a chegada ao rio que separa os dois países aconteceu antes da hora do almoço.  

1 comentário:

  1. Brutal! aliás outras palavras me vieram à cabeça qd vi as fotos - mas não as vou reproduzir aqui... lol
    O principal sentimento que o teu blog transmite, quando o leio é a INVEJA.
    Aproveita bem! pois qd cá chegares vais ter cá uma vontade de voltar para aí!!!!

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