segunda-feira, 16 de maio de 2011

Botswana (Jodido pero contento)



O Zambeze separa a Zâmbia do Botswana e assim atravessámos de ferry este rio, dirigindo-nos de seguida à imigração para formalizar a entrada neste país.

O Jami tinha o documento CARNET (que garante ao país no qual está a entrar que a sua mota não será vendida ali) e assim tratou de tudo rapidamente. Quando chegou a minha vez foi-me pedido o mesmo documento e, uma vez que não o tenho (até agora nesta viagem nunca me foi exigido Carnet), fui obrigado a fazer a importação temporária da mota.
Enquanto estava num escritório a "lutar" para não ter de pagar o valor pedido (aproximadamente 100 USD) o Jami discutia com o oficial da alfândega, argumentando que o seguro que tinha comprado no Quénia abrangia um conjunto de países entre os quais o Botswana, recusando assim pagar um novo seguro.

Depois de ter demorado uma meia-hora a tratar da minha papelada sai e vi que o Jami gritava dentro da sala de alfândega:

- "Não é justo, não pago nada!!!"

Mesmo falando com o chefe de serviço nada se alterou, como é natural, e acabou por sair da sala de cabeça baixa e amargurado.

- "Isto é uma vergonha, isto não se faz."

Aconselhei calma ao Jami. Lembrei-lhe que não estava na Europa e que tinha de seguir as regras daquele país, mesmo sabendo que aquele seguro era válido ali.

"Não é uma questão de dinheiro, mas de justiça, de fazer as coisas correctas." - disse-me enervado.

"Pois Jami... Mas tu estás em África. Aqui não podes chamar incompetente a um oficial da alfândega, mesmo que ele o seja. Foste tu que perguntaste se aquele seguro era válido. Na minha opinião nem o devias ter feito; seguias com ele e pronto, problema resolvido. Levantaste a questão e tiveste a resposta. Agora paga um novo seguro e vamos embora." - aconselhei-o.

Depois de uns dias na sua companhia era clara a nossa diferença de comportamentos em relação a muitos assuntos.
Eu, português e a trabalhar há 5 anos em Angola, era o relaxado, o tranquilo e o despreocupado e ele, finlandês, o nervoso, o desconfiado, o "certinho".
O Jami parava quando a polícia o mandava parar, andava com um cadeado enorme com que trancava a mota em todos os lugares que parava, não largava o capacete com medo de o deixar na mota, etc.

Um episódio que demonstra até que ponto vai a diferença entre as nossas maneiras de estar aconteceu dentro de um parque de campismo, instantes antes de irmos embora.
Tínhamos já tudo pronto, em cima das motas, e ele pediu-me para o lembrar de parar num super-mercado para comprar rolos de papel higiénico para a viagem.

-"Epá, aproveita, vai à casa de banho aqui do parque e tira um rolo. Não precisamos de parar mais." - disse-lhe, naturalmente.

- "Claro que não!!!  Isso seria roubar. Vou parar no super-mercado." - argumentou.

Mesmo com diferentes maneiras de pensar conseguíamos dar-nos bem e foi uma boa companhia até Windhoek, o Jami.


Papelada tratada, entrámos oficialmente no Botswana, um país que pode ser visto como uma história de sucesso neste continente.

Com grande influência sul-africana nos dias de hoje, o país foi no passado um protectorado britânico com o nome de Bechuanalândia.
Depois de alcançar a independência em 1966, três dos mais ricos jazigos de diamantes do mundo foram encontrados junto das suas fronteiras e é desde então, considerado um exemplo de estabilidade política, gozando de uma elevada taxa de crescimento económico.


Esperando o ferry para atravessar o Zambeze até ao Botswana

Vendedor de artesanato zambiano na fronteira



O magnifico Rio Zambeze e a nossa travessia


Entrada num novo país: Welcome to Botswana


"Circumcision can help prevent you against HIV "" - Placard dentro da alfândega
?! Diga lá outra vez ?!


Sem acesso ao mar, o Botswana tem cerca de 1100 quilómetros de Norte a Sul e 950 de Este para Oeste, sendo de idênticas dimensões ao Quénia ou a França.
A maior parte do país fica acima dos 1000 metros de altitude e consiste na sua maioria por uma vasta savana nivelada.
O Kalahari cobre cerca de 85% do país e no Noroeste do país, o Rio Okavango, segue desde a Namíbia e inunda a região arenosa, formando o espectacular Delta do Okavango.

Com vastas savanas cheias de vida selvagem, o país faz parte da África dos nossos sonhos. Uma vez que o Delta do Okavango e o Rio Chobe providenciam uma fonte de água acessível durante todo o ano, grande parte dos animais do Sudoeste africano encontra-se nesta região.

O frustrante neste país é mesmo conduzir uma mota, pois em todos os parques são proibidos estes veículos, tal é a densidade de animais selvagens.
Também esta altura do ano não é mais aconselhada, mesmo de carro, pois a chuva deixa tudo alagado e intransponível. Tudo está coberto de água e lama e mesmo para os mais bem preparados, a tarefa de atravessar certos parques naturais, é quase impossível.
Deste modo a ideia inicial que eu levava de atravessar o Parque de Chobe foi imediatamente descartada e seguimos assim para Sul na A33 em direcção à cidade de Maun.

Esta estrada, apesar de asfaltada e aborrecida, é conhecida por aqui serem normalmente avistados elefantes. Todo o cuidado é pouco pois é normal que manadas de elefantes atravessem o asfalto.
Em várias horas de condução vimos dezenas de elefantes, o que foi maravilhoso.
Estar perto de animais destes, no seu meio natural e longe de qualquer outra pessoa, é uma experiência muito intensa.
A maior parte dos elefantes que encontrámos fugiu para dentro do mato ao sentir a nossa presença (que é difícil disfarçar tal é o barulho das motas) mas houve casos em que nos observaram, parados, curiosos como nós. Nesse caso, o macho mais forte ficava o tempo todo a olhar-nos, alerta e pronto para nos pôr a correr se resolvêssemos aproximar-nos mais.
Mesmo estando na estrada todas aquelas experiências foram incríveis.

Uma vez chegada a "hora mágica", perto das seis da tarde, resolvemos parar no primeiro parque de campismo que nos aparecesse. Acontece que no GPS o único parque que apareceu ao Jami era a mais de cinquenta quilómetros de distância e tivemos assim de fazer uma vintena de quilómetros já escuro e entrar na picada que nos levava ao parque de campismo com muito pouca luz.

Cansados, quase sem luz e num trilho de areia solta, repleto de elefantes, seguimos durante algum tempo e por fim, ao longe vimos as luzes do acampamento. Aquele não era o sitio onde queríamos cair e chamar a atenção de qualquer um dos muitos elefantes. Estes, apesar de não parecerem perigosos dentro de um jardim zoológico ou à distância segura dentro de um carro num safari, são animais territoriais e podem ser bastante agressivos se tomarem a "invasão" do seu território como uma ameaça.
Chegámos por fim ao acampamento, onde depois de montadas as tendas, saboreámos um pão seco e umas batatas fritas de pacote com umas cervejas, sentados à volta de uma fogueira, espreitando uma manada de elefantes, a poucos metros de distância, que tinha vindo beber a um charco próximo.
Aquilo sim, era África no seu melhor.


Miss Africa no seu ambiente


Vários foram os encontros com elefantes


A poucos metros do nosso acampamento


De manhã, várias pegadas de elefante podiam ser vistas à volta das tendas


As aranhas também não andavam longe

Também havia "minas" no Botswana


No dia seguinte seguimos a estrada asfaltada em direcção a Maun e parámos em Gweta, uma pequena localidade que dá acesso ao Parque Nacional de Makgadikgadi.
Este enorme pântano de sal é, juntamente com os parques adjacentes Sua e Nxai, o maior do planeta (maior que o da Bolívia) , não havendo paisagem como aquela no planeta.
Especialmente durante o calor dos últimos dias de inverno, o parque ganha uma áurea especial, dada a sua austeridade. As miragens das ondas de calor destroem todas as noções de espaço e direcção, lagos imaginários aparecem diante dos nossos olhos para logo depois desaparecerem e animais selvagens tomam conta da região.

Nesta altura com o início da época da chuva existe alguma vegetação e alguma água no pântano, o que dificulta o seu acesso.
Depois de termos recebido alguns conselho dos donos de um dos hotel da região ganhámos coragem e decidimos tentar seguir a vedação do Parque de Makgadikgadi e ver, ainda que da parte de fora, o pântano. 
De outro modo, apenas de carro e pagando a entrada de cerca de 70 USD poderíamos ver aquela região.
Naquele momento tinha a sorte de poder fazê-lo acompanhado do Jami, pois de outra forma seria uma "loucura maior" e teria certamente hesitado.
Eram cerca de 40 quilómetros de areia (algumas zonas de areia solta, disseram-nos) numa picada, longe de tudo e todos, com animais selvagens e debaixo de temperaturas de mais de 30ºC.
Na realidade a picada não estava tão má como pensado e tudo correu bem até lá chegármos.
Estávamos no pântano de sal, dentro de um cenário inacreditável.
Aproveitámos para tirar ali uma fotografias e antes de irmos embora tivemos a sorte de ver uma manada de zebras a passarem mesmo ao nosso lado.
Segui-as por algum tempo, de mota. Agora  que me lembro daquela situação faço um largo sorriso.
Que momento bonito aquele: mais de vinte zebras selvagens a correrem num deserto de sal e eu, de pé em cima da mota, seguindo atrás.

Depois, e com vontade de seguir para Maun nesse dia, uns duzentos quilómetros para Oeste, despedimo-nos do parque e voltámos para a estrada de alcatrão que nos levaria até essa cidade.


Num dos portões do Parque de Makgadikgadi. Impedidos de ali entrar, fizemos a picada junto à vedação (e entrámos um pouco mais à frente...:) )


?!



Condução divertida em Makgadikgadi


Seguia pela picada atrás do Jami e a Miss Africa começou a engasgar. Ainda andei alguns quilómetros assim até que parou de vez.
Tentei avisar o Jami, buzinando mas em vão. Ele seguiu e eu fiquei parado.
A mota não pegava e lembrei-me da experiência que tinha tido uns anos antes, em Angola, em que tinha acontecido o mesmo quando regressava a Luanda vindo do Huambo e a mota se comportou exactamente assim.
Tentei diversas vezes colocar a mota a trabalhar e nada. Simplesmente não pegava. Seriam novamente os injectores da gasolina?! Seria a bomba de gasolina ou o filtro?!
Estava parado, no meio de uma picada muito pouco utilizada, longe de tudo e (quase) todos. Desta vez tinha a sorte de estar com o Jami e assim tinha alguém para me ajudar.
Porém, passados mais de 30 minutos o Jami não aparecia.
Na altura pensava onde raio se tinha enfiado ele. "Não percebeu ainda que eu não apareço?!" , pensei.

Mesmo com a mota avariada, no meio do nada e sem a presença do Jami fiquei sereno. Era apenas mais uma avaria. Tudo havia de se resolver.
Então, sentei-me junto à Miss, com uma erva entre dentes, e liguei o Ipod. A música aleatória que surgiu começou com a voz forte e a guitarra certeira da Concha Buika a cantar "Jodida pero contenta". Ri-me.
Nunca tinha ouvido esta faixa e pensei que talvez estivesse guardada para aquele momento.
Sorri e pensei em coisas boas, em recordações felizes. Não estava contente, mas a verdade é que também não estava assim tão "jodido"...
Vai correr tudo bem, pensei.
O Jami apareceu de seguida e explicou-me que tinha demorado pois uns quilómetros à frente o seu cabo de embraiagem se tinha partido e o tinha substituído, levando algum tempo.

De seguida foi até uma das entradas do parque e pediu ao guardas para me virem buscar e levar de carro. Uma vez mais a Miss teve de subir para cima de um carro e assim fomos até à vila de Gwena, ao hotel onde nos tinham dados algumas informações, umas horas antes.
Porém, pelo caminho, a frustração tomou conta de mim. Estava uma vez mais na caixa de um carro a levar a Miss avariada, vendo o Jami um pouco à frente em cima da sua montada. Estava cansado emocionalmente de tudo aquilo.
Naquele momento pensava já que seria uma avaria nos injectores e que apenas em Windhoek, no concessionário da BMW, me poderiam resolver a avaria. Teria assim de negociar uma boleia de mais de 1500 quilómetros, gastar muito dinheiro e deixar de ver um país bonito como o Botswana, por causa de uma estúpida avaria.
A passagem por aquele país acabava, aos meus olhos, de ser arruinada, enquanto no final daquela tarde me dirigia ao hotel onde teríamos de passar a noite.

Pouco depois de chegar já estava a negociar com dois carros o transporte até à fronteira com a Namíbia. Enquanto eu falava com os condutores o Jami e os gerentes do hotel, um casal simpático de sul-africanos, conversavam juntos da Miss África. Fui uma vez mais junto deles explicar o que tinha acontecido e naquele momento tentei colocar a mota a trabalhar e...pegou.

Senti-me envergonhado mas muito feliz. Afinal...pegou. Que bom. Então o que seria?!
Chegámos à conclusão que seria com certeza um problema com o filtro de gasolina que deveria estar obstruído. As lombas da picada devem ter feito com que a sujidade e a água que se encontrava no fundo do depósito viessem à superfície, obstruindo o filtro de gasolina, no interior do depósito, fazendo a mota parar.
O problema estava então encontrado e bastaria limpar o depósito e respectivo filtro.

Seria uma tarefa para o dia seguinte pois era final de tarde e tinha pouca luz para trabalhar.
Assim, na manhã seguinte, depois de dormidos acampados na zona relvada do hotel, começaram os arranjos. Foi tudo simples: drenei a gasolina do depósito, tirei filtro e bomba, limpei-os e soprei o filtro com um compressor e por fim, limpei muito bem todo o depósito que estava cheio de água e sujidade.
No final, montei tudo e alem de não terem sobrado peças, o motor trabalhava como novo.
Estava de novo pronto para arrancar.



Parado com uma avaria






Fases do arranjo da mota: drenagem da gasolina, limpeza do filtro e depósito



Ainda houve tempo para uns mergulhos na piscina e um bom almoço antes de rumarmos até Maun onde íamos ficar alguns dias a explorar a região do Delta do Okavango.

O Delta do Okavango é o maior delta interior do mundo. Está situado no local onde o Rio Okavango esvazia as suas águas nas areias do Deserto do Kalahari.
O Rio Okavango transporta a água da época da chuva desde Angola durante cerca de 1200 quilómetros, espalhando-se depois naquela região por uma área de 250x150 quilómetros.
A água atrai, especialmente na época seca, animais de outras regiões, criando ali uma das zonas de maior concentração de animais selvagens de todo o continente.

A maneira tradicional de visitar o Delta, ou pelo menos parte dele, é de canoa tradicional de nome mokoro. Uma vez reunidos com os guias, navegámos por entre nenúfares e entre densa vegetação até uma das ilhas onde passámos a noite acampados.
A água do delta é extremamente limpa e fresca e, apesar de termos de ter alguns cuidados com os animais que por aí se encontram, um mergulho naquelas águas era obrigatório.
A tarde foi passada a dar mergulhos e no final do dia demos um passeio pela ilha encontrando alguns hipopótamos e um par de elefantes.

No dia seguinte bem cedo, depois de passar a noite sob as estrelas no interior do parque do Okavango passámos a manhã a andar por entre a vegetação de uma das ilhas, cheias de animais.
Zebras, girafas, elefantes e impalas  foram alguns dos animais que observámos dentro do seu habitat, uma das zonas mais espectaculares do planeta, sem dúvida.    


Ida de lancha rápida até ao parque


A Miss Africa foi trocada por um mokoro, nesta parte da viagem








Por entre os nenúfares, é total a serenidade naquele ambiente


A calma deste local só é cortada pela presença (assustadora) dos animais residentes na região


Regressando depois até à cidade de Maun, descansámos, partindo no dia seguinte em direcção à fronteira com a Namíbia onde chegámos já no final do dia.

Estava quase a completar uma volta de mais de seis meses e tanto havia ainda para andar até Portugal...

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