terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dia 36-41: Luderitz à Cidade do Cabo

Luderitz é uma cidade peculiar. Está enfiada entre o agreste deserto da Namíbia e a turbulenta costa do Atlântico Sul, fazendo lembrar uma povoação pesqueira europeia, com a sua pequena igreja, avenidas pouco movimentadas, pastelarias e cafés. Edifícios coloniais coloridos pintam o local e a arquitectura art nouveau dá um toque de charme a esta tranquila localidade.


Luderitz


Mais do que pelas ostras a cidade é conhecida por estar directamente ligada à exploração dos diamantes na Namíbia.
Primeiramente os diamantes foram descobertos mais a Sul, nas margens do Orange River, fronteira natural entre a Namíbia e a África do Sul, mas no início do século passado a descoberta de diamantes perto de Luderitz fez com que milhares de pessoas viessem tentar para aqui a sua sorte.
Fui visitar a "cidade fantasma" de Kolmanskop, a poucos quilómetros de Luderitz.
Depois de um trabalhador, durante a construção da linha de caminho de ferro que liga Aus a Luderitz, ter encontrado uma pedra que se viu depois ser um diamante, toda uma cidade foi construída onde antes não existia nada. A corrida pelos diamantes naquele local começou ali. Durante algumas dezenas de anos milhares de pessoas construíram ali a sua vida, num dos locais mais agrestes onde já estive, reunindo todas as condições para a habitarem. Graças às grandes quantidades de diamantes no local (nessa altura mais de 20% dos diamantes a nível mundial vinha dali) foram criadas infraestruturas inovadoras para a época. De Paris vinha o champagne, paté e caviar, da África do Sul a água doce (tão valiosa como o champagne) e a carne. A cidade foi dotada de hospital com aparelho de raios-x (o primeiro em África), talho com sistema de frio, sala de espectáculos, etc. Uma cidade de e para ricos.




Antiga cidade de Kolmanskop

Actualmente toda aquela faixa de terra, abaixo da cidade de Luderitz, até ao Orange River continua a ser explorada e é hoje uma zona de proibido acesso. Existem avisos por toda a parte alertando as pessoas para não entrarem nesta zona sob pena de serem "perseguidos". Nem vale a pena arriscar...


Tradução: "Nem vale a pena tentar, senão levas TIRO!!!"


Na época as pessoas literalmente andavam de joelhos a tirar diamantes da areia. Claro que ainda hoje milhões de diamantes estão por encontrar. Passei grande parte do passeio a olhar para a areia. Com sorte ainda daria um pontapé num deles.

De um momento para o outro diamantes maiores foram encontrados mais para Sul, fazendo com que as pessoas abandonasses a cidade, deixando toda uma gigantesca estrutura ao abandono. Hoje em dia todo este território pertence em partes iguais ao governo namibiano e ao grupo da De Beers... quem mais?!
Apesar dos diamantes na zona não vejo investimentos grandes na cidade de Luderitz e a taxa de desemprego é alarmante, segundo pessoas com que falei.

Passando dos diamantes para as ostras, uma das especialidades da cidade. Ao natural, com bacon e queijo derretido, cozidas, há ostras para todos os gostos. Acabei por provar algumas e ao fim de 18 devo dizer que são mesmo boas (pessoalmente gosto mais delas ao natural, com um pouco de sumo limão.


Estas só foram as primeiras 6


A cerca de 20 quilómetros a sul da cidade encontra-se o "Dias Point".
Bartolomeu Dias, quando regressou do Cabo da Boa Esperança, em 1488, parou neste local desolado e ergueu uma cruz. Grandes tempos, aqueles, para os portugueses. Quem te viu e
quem te vê, Portugal...




Ainda assim, orgulho de ser TUGA


O hostel em que estava era muito agradável. Mais uma vez o facto de viajar de mota ajudou-me: tive quase 50% de desconto por os donos terem uma simpatia especial por viajantes de moto e ainda tive a sorte de o barmen do espaço ter nascido em angola e falar português. Através dele fui percebendo a diversidade cultural que existe na Namíbia, aspectos positivos e negativos deste país e expectativas para o futuro. Fernando é o seu nome e com sorte ainda o encontro em Windhoek quando regressar.


Eu e o Fernando no bar do hostel


Depois de aproveitar bem as condições que tinha para me organizar, lavar roupa e cuidar da mota segui 400 quilómetros para Este até uma das maiores belezas naturais de África: o River Fish Canyon.


Rota de Luderitz ao Cabo passando no Fish River Canyon


Em nenhum outro sítio neste continente se vê algo parecido com esta maravilha. 160 quilómetros de extensão, até 27 de largura e com uma profundidade máxima de 550 metros este local é...único.


Este local impressiona


Apesar de ser um dos principais pontos turísticos do país não vi muitas pessoas por lá, talvez pela sua imensidão. Percorri muitos quilómetros, já dentro do parque, sem ver uma pessoa, no meio de tanta pedra, pelos trilhos junto ao desfiladeiro.



Palavras para quê?!


Poucas vezes vivi um silêncio tão profundo como o daquela tarde. Acabei por ficar a ver o pôr do sol naquele local tão especial e tive pena de não ser época para fazer todo aquele caminho lá em baixo a pé. Durante 5 dias, pequenos grupos têm a oportunidade de testarem a sua condição física e mental através daquele percurso. Tenho a certeza que é uma das experiências mais marcantes que deve existir na vida de uma pessoa.


Início da caminhada de 85 km pelo Canyon

Pôr do sol no Canyon


No dia seguinte rumei para Sul, até Ai Ais, uma nascente de água natural medicinal.
Ao chegar encontrei-me com um grupo de motards sul-africanos, da Cidade do Cabo, que também ia para Sul. Depois de conversar com eles, tirando conselhos para a minha viagem, rotas, sítios para ficar, etc, seguimos os quatro pelas estradas de gravilha em direcção à fronteira. Ao fim de 5 minutos foi natural a diferença de ritmos que tinhamos, uma vez que eles faziam uma média de 120km/h na gravilha e eu...sempre nos 60/70 km/h.
- "You have a driving position very stable", disseram-me eles (com alguma ironia).
Pois é, pareço mesmo um pau teso ao pé deles, sempre com medo de cair, sempre com medo de acabar mais cedo esta viagem. O facto de estar montado em cima de mais de 300kg e eles em leves e maleáveis Hondas Transalp também ajuda a que eles possam abusar um pouco mais.

Despedimo-nos com a promessa de bebermos um copo na Cidado do Cabo, dentro de uns dias.


Sempre nos 60km/h não vá o bicho atravessar-se...


Segui para fronteira, sempre por gravilha, numa estrada alternativa, sempre sem ver ninguém. O rio Orange separa os dois países e, chegando ao posto, devo ter demorado 15 minutos em todo o processo. Não paguei nada, todos simpáticos, prestáveis e profissionais. Se todos os postos fronteiriços forem assim daqui para a frente vai ser canja. Sei que não será assim e sei que estou a fazer a parte fácil de toda a minha viagem. Tudo corre bem.


"Mais um cromo prá caderneta!"


Já em estradas de alcatrão, com rectas intermináveis lá fui seguindo para Sul. Parece que levava balanço pois fiz mais de 700km nesse dia e cheguei a Clanwilliam já sem sol.
A pequena cidade estava lotada pois havia nesse fim-de-semana uma prova de triatlo e fui arranjar um espaço num parque de campismo, junto à barragem. Só de manhã pude ver a beleza do sítio. Grupos de pessoas passeava de barco, fazia cayaque, passeava, junto do lago.

Já estava na África do Sul, um país atípico neste continente. Sentia-me num país da europa. Muitas montanhas, árvores de fruto, cidades tranquilas, serviço impecável.

Local onde acampei em Clanwilliam


Ao longo da viagem vou sempre falando com pessoas locais, turistas e a minha rota vai-se moldando pelas dicas que vou ouvindo. Na Namíbia um casal de meia-idade aconselhou-me a ficar em ClanWilliam e seguir para sul não pela principal e rápida estrada nacional mais por outra alternativa que passa pela cidade de Ceres.

Assim o fiz. 50 quilómetros a Sul de Clanwilliam segui por essa estrada, pelo que oiço agora uma das mais bonitas da zona.
Atravessei montanhas, pequenas quintas de laranjas e outros frutos, ladeiras cobertas de vinhas. Muito agradável. Todo aquele cheiro a árvores de fruto, o vento morno a bater-me na cara faz com que o dia passado a andar de mota tenha sido especial.


Caminho para Ceres


Numa determinada parte do percurso, numa estrada de gravilha entre montanhas, estava um pequeno grupo de locais a beber umas cervejas. Deviam ser umas 10h da manhã e resolvi parar.

O facto de viajar por África, ao meu ritmo, com mota e sozinho faz-me viver experiências difíceis de ter se as condições não fossem estas. Poder ficar o tempo que quero num local, explorar locais consoante a minha disposição, estar disposto a mudar de rumo, seguir a minha intuição (a maior parte dos casos) faz com que possa experimentar o local onde estou, conviver com os habitantes locais de uma forma que não seria possível estando associado a um grupo de pessoas. E é o que quero guardar de África.

Estavam a beber há algum tempo, já com boa disposição. Ofereceram-me uma cerveja e fiquei por lá com eles bastante tempo.


Festa improvisada

Um deles fazia anos e estavam a comemorar assim, do jeito que sabiam: bebiam.
Aquela era a terra deles, dos antepassados. Na altura do Apartheid, disseram, explusaram-nos da terra onde viviam, tiraram-lhes tudo, trataram-nos mal. Agora com o regresso à (aparente) normalidade trabalhavam para os "brancos" numa quinta de laranjas. Um deles trabalhava numa quinta de produção de vinho em Stellenbosch.


Com os novos amigos e muita bebida


Senti muita tensão racial no discurso de um deles. Ainda assim, trataram-me como sendo da família, um "Bro".

Penso que o importante é a forma como se aborda as pessoas. e todas as circunstâncias do lugar onde nos encontramos. Viram-me ali, sozinho, no meio deles, disposto a ouvir, a partilhar tcom eles o meu tempo, a "comungar" com eles umas cervejas e uns copos de vinho e trataram-me como igual, como "Bro".

Deram-me conselhos, falaram dos trabalhos, das namoradas, das suas histórias e despediram-se de mim com pena de não ficar mais tempo. Prometi que passava em Stellenbosch para provar o vinho da quinta onde trabalhava um deles e que lhes daria uma das fotografia que tirei com eles.


Fotografia de grupo


Durante muito tempo ouvi que a Cidade do Cabo era das cidades mais bonitas em todo o Mundo. Dizem que chegar de avião, perante toda a geografia da zona, era surreal.

Experimentem então chegar a partir de Este, atravessar pequenas localidades com vinhas, passar por montanhas, boas estradas, atravessar montanhas através de túneis imensos...e de mota.


Chegada à Cidade do Cabo


Cheguei à Cidade do Cabo no Sábado. A parte da baixa da cidade estava deserta e fui para a zona mais alta. A zona de Gardens, cheia de cafézinhos e casas com muito bom gosto, pareceu-me bem. A Table Montain está mesmo aqui tornando tudo ainda mais bonito.
Parei num pequeno restaurante "gourmet" com esplanada para comer uma tosta de salmão fumado.

Assim que entrei na esplanada um casal simpático quis saber de onde vinha e para onde ia. Acabei de fazer amigos na Cidade do Cabo.

1 comentário:

  1. Grande Goncas,

    Imagino que estejas a viver mesmo o teu sonho, as fotografias e as historias que vais relatando assim o demonstram. Aqui deste lado a historia e os desafios sao outros bem diferentes, mas tudo sobre rodas:)

    Fico mesmo feliz ao ler as tuas historias ja' te estou a imaginar com a cola patex nas maos e pronto para cocar a cabeca:)) what a hell no meio do nada e com um furo daqueles... Well done, respirar fundo, tranquilidade e obstaculo atras de obstaculo chegaras a bom porto e Feliz!

    Ninguem disse q era facil mas com a paixao com que o fazes so m resta acompanhar via net e quica estar presente na tua chegada!

    Boa sorte a estrelinha e a nameless estarao sempre contigo!

    Abraco

    Marco Mouta

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